terça-feira, 21 de agosto de 2007

MINEROPAR - ACidades médias e grandes dependem das águas subterrâneas

Cidades médias e grandes dependem das águas subterrâneas

O geólogo e professor-associado da Universidade Federal do Paraná, Ernani Francisco da Rosa Filho é professor-visitante da Universidad Nacional de Asunción, editor responsável das revistas técnico-científicas da ABAS e da Asociación Latinoamericana de Recursos Hídricos para el Desarrollo (ALHSUD), membro do comitê científico da Revista Brasileira de Recursos Hídricos- ABRH, da ABAS e da ALHSUD, e desenvolve pesquisas na área de Recursos Hídricos (especialmente com águas subterrâneas) e na área da Geologia Ambiental.

O geólogo já foi presidente da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS) e fundador e primeiro presidente da ABAS-Núcleo Paraná e vice-presidente da ALHSUD.

Boletim Mineropar - Qual o panorama geral das águas subterrâneas no Brasil?

Ernani Francisco da Rosa Filho - De acordo com levantamento do IBGE, cerca de 51% do abastecimento público do Brasil é feito através da captação de águas subterrâneas. No Estado de São Paulo, o percentual é da ordem de 80%, sendo que no Paraná 80% dos municípios são abastecidos com água subterrânea, beneficiando em torno de 20% da população paranaense. Há cerca de três décadas, na época em que foi implantado o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) pelo Governo Federal, as águas subterrâneas eram tidas como soluções para pequenas comunidades. Ao contrário disto, o quadro atual do uso das águas subterrâneas mostra que cidades como Ribeirão Preto-SP, com 560.000 habitantes, são integralmente abastecidas com águas subterrâneas. Assim como esta cidade de grande porte, existem outras no Brasil, a exemplo de Natal-RN, que também depende essencialmente das águas do subsolo para o seu abastecimento.
BM - O que acontece hoje com a política de gestão da ANA (Agência Nacional das Águas) em relação às águas subterrâneas e qual o caminho a seguir?
EFRF - De acordo com a Constituição Brasileira, a dominialidade das águas subterrâneas são de responsabilidade de cada Estado da União. No Estado do Paraná, por exemplo, quem tem a atribuição de gerenciar os recursos hídricos subterrâneos é a SUDERHSA. Os representantes da ANA já manifestaram em várias ocasiões a preocupação com relação à gestão das águas subterrâneas no território brasileiro, isto em razão de que existe uma grande disparidade de experiências e conhecimentos sobre este aspecto de Estado para Estado. É importante, por esta razão, que a ANA utilize os melhores exemplos sobre a gestão das águas subterrâneas, tal como é feito pelo DAAE-SP e pela SUDERHSA-PR, transferindo metodologias aos Estados que ainda não aplicam nenhum tipo de procedimento que tenha como objetivo preservar os mananciais de subsuperfície, seja em termos de quantidade como de qualidade das águas. BM - O Aqüífero Guarani é a solução para o problema da escassez de água no Sul e Sudeste? Por que? EFRF - Para algumas situações localizadas o Guarani representa uma solução importante. Deve ser destacado, todavia, que nas regiões de grande confinamento (mais de 600 m de basaltos sobrepostos), as suas águas são salobras, não sendo adequadas na sua condição in natura para o consumo humano. Em situações como essas, as águas precisam ser diluídas com águas superficiais. O aqüífero Guarani, ao contrário do que afirma a mídia, não representa a solução para o abastecimento da população do sul e do sudeste do Brasil. Basta ver que em torno de 60% da área onde ocorre o Guarani no Paraná, o reservatório está confinado com mais de 600 m de basaltos; nessas regiões, as águas são salobras. Exceção a este aspecto é a região noroeste do Terceiro Planalto do Paraná, onde cerca de 40 cidades são abastecidas com águas do Guarani, bem como pela própria cidade de Ribeirão Preto, anteriormente mencionada. A qualidade das águas do Guarani na região central e oeste de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, as águas apresentam as mesmas características das águas salobras da região central e oeste do Paraná. BM - Qual a intenção das mudanças da dominialidade das águas subterrâneas na legislação nacional? Qual a sua análise e o desdobramento dessas mudanças? EFRF - Coincidentemente com o período em que foi formulada a legislação que estabeleceu que as águas superficiais passariam a ser cobradas e que os recursos arrecadados seriam aplicados na preservação das bacias hidrográficas, surgiu uma Proposta de Emenda Constitucional – a PEC 43/2000 – de que as águas subterrâneas transfronteiriças passariam a ser de domínio da União. E o que é ser transfronteiriço? O próprio aqüífero Guarani, tal como ele se distribui espacialmente (compartimentado por descontinuidades geológicas) não existe conexão hidráulica entre dois blocos contíguos. Portanto, ao contrário do que se planeja no próprio Parlamento do Mercosul, uma ação legal entre os quatro países onde ele ocorre poderá causar apenas dificuldades burocráticas para seu aproveitamento no futuro (seja para o uso do termalismo ou para outros fins). A mudança da dominialidade poderia ser interpretada como sendo mais uma forma de arrecadação. É como se fosse colocado a carroça na frente dos bois! Não se deve estabelecer leis, sem antes conhecer o sistema. Existe uma diferença entre a distribuição da formação rochosa em relação ao comportamento hidráulico deste reservatório.
BM - Com relação à falta de água no Paraná, como deve ser o encaminhamento da gestão das águas subterrâneas no Estado para que não haja problemas futuros?
EFRF - As águas subterrâneas, por si só, não devem continuar sendo estudadas isoladamente, uma vez que elas representam apenas uma parcela do ciclo hidrológico. A partir desta década os estudos devem ser feitos a partir de balanços hídricos, avaliando-se cada uma de suas fases e os volumes que efetivamente representam a recarga dos aqüíferos. Sendo o Paraná um Estado agrícola, as águas subterrâneas também podem representar a solução para a irrigação da soja e do milho, na região do Terceiro Planalto, evitando desta forma as perdas de safra, tal como ocorreu no mês de fevereiro de 2004 e 2005. BM - O conhecimento geológico no Paraná é suficiente para a boa gestão das águas subterrâneas? Como isso pode ser melhorado?
EFRF - Numa escala que seria adequada ao estudo das águas subterrâneas, o conhecimento geológico no Paraná é ainda muito incipiente. Para melhorá-lo seriam necessários mapeamentos geológicos de todo o Estado, numa escala de pelo menos 1:100.000. Seria algo como o trabalho realizado pela Carta Geológica do Paraná, feito na década de sessenta.
BM - A área de Hidrogeologia é um bom mercado de trabalho para os novos profissionais que se formam hoje? EFRF - São freqüentes as solicitações de profissionais na área da hidrogeologia, em conjunto com avaliações de contaminações de aqüíferos por ações antrópicas. Trata-se de uma das áreas da geologia com melhores perspectivas de trabalho.
BM - O que o senhor acha da tentativa de mudança do CONFEA nas atribuições profissionais, tirando do geólogo boa parte da atuação na hidrogeologia em benefício dos engenheiros?
EFRF - Trata-se de uma ação puramente corporativista porque visualizaram perspectivas de mercado de trabalho. Este tipo de ação causará prejuízos a própria população porque quem pleiteia esta atribuição sequer tem a disciplina de geologia em sua formação acadêmica e muito menos hidrogeologia. É uma ação vergonhosa porque esses profissionais não possuem competência e preparo para atuar com águas subterrâneas – em prevalecendo fará o Brasil andar para trás!

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