domingo, 31 de outubro de 2010

Belém sediará centro de pesquisa da Vale

Belém sediará centro de pesquisa da Vale

A Vale lança em Belém a primeira das três unidades do Instituto Tecnológico Vale (ITV), criado pela mineradora no início deste ano para coordenar suas ações de ciência e tecnologia em todo o Brasil. Em processo de estruturação desde fevereiro, quando foi criado e começou a funcionar em caráter informal, o ITV foi lançado oficialmente na última quinta em Belo Horizonte. A solenidade, realizada no Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro, contou com a presença do presidente da Vale, Roger Agnelli, e do governador Aécio Neves.

Na ocasião Agnelli anunciou as primeiras ações a serem desenvolvidas pelo instituto. Entre elas, a criação de três novos centros de pesquisa e um investimento de R$ 120 milhões em parceria com três das principais agências de fomento à pesquisa no Brasil.


O Instituto Tecnológico começou a se estruturar como um departamento da empresa, em fevereiro de 2009. A iniciativa coincidiu com a chegada à Vale do cientista Luiz Mello, até então pró-reitor de graduação da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Coube a Mello, hoje diretor do ITV, a tarefa de configurar a nova unidade da empresa, definindo sua estrutura e linha de atuação.


Com a criação do ITV, a Vale quer fomentar pesquisas científicas e o desenvolvimento econômico de base tecnológica, além de gerar e difundir novos conhecimentos para o desenvolvimento socioeconômico, ambiental e para a cadeia da mineração sustentável no País. “O ITV é uma instituição sem fins lucrativos, de pesquisa e ensino de pós-graduação, voltada para a inovação em áreas estratégicas”, ressaltou esta semana uma alta fonte da empresa.


Para levar adiante essa missão, a Vale decidiu construir três unidades do ITV, cada uma com uma vocação específica. O centro de pesquisa do Pará, localizado em Belém, priorizará pesquisas em desenvolvimento sustentável. A unidade de Minas Gerais, erguida em Ouro Preto, será especializada em temas de mineração. Já a unidade de São Paulo será voltada para as inovações em energia, tendo como um dos principais parceiros o centro tecnológico da Vale Soluções em Energia (VSE), com sede em São José dos Campos.

A assessoria da Vale informou que a empresa está, no momento, fazendo um estudo de identificação de áreas para aquisição do terreno onde será construído em Belém o centro de pesquisa no Pará. A unidade contará com laboratórios, biblioteca e instalações de apoio. Ainda não há no momento uma previsão de custos, pois o projeto está ainda em fase de detalhamento técnico.

A Vale não definiu também as áreas de conhecimento a serem contempladas pelo centro de pesquisa do Pará. Segundo a empresa, não se pretende estabelecer nenhum tipo de limitação. A ideia é criar um espectro amplo de atuação, de forma a permitir a livre iniciativa e estimular a criatividade de pesquisadores. Com isso, a Vale deseja abrir caminho para novas descobertas científicas e inovações tecnológicas em todas as áreas do conhecimento. “E não, necessariamente, no interesse específico da empresa ou da mineração, mas para impulsionar a produção do conhecimento e o desenvolvimento econômico de base tecnológica sustentável no Pará e em todo o Brasil”, acrescentou fonte na Vale ouvida pelo DIÁRIO.

R$ 4 milhões cedidos à pós-graduação


O Estado do Pará, que vai receber o primeiro centro de pesquisa do Instituto Tecnológico Vale, foi também o beneficiário da primeira ação desenvolvida pela empresa através do seu então embrionário ITV. No início deste ano, a Vale promoveu o estímulo à produção acadêmica no Pará destinando de R$ 4 milhões para 84 bolsas de mestrado e doutorado.


Os projetos escolhidos têm temas variados e não precisavam estar ligados à mineração. Foram selecionados trabalhos de áreas como ciência da computação, biologia, genética, neurociência, engenharia, botânica e física, entre outros. Com essa iniciativa, conforme destacou a assessoria da Vale, a empresa buscou promover a interação entre empresa, universidade e instituições do governo para o incentivo à produção científica de excelência, beneficiando toda a comunidade do Estado.

A segunda ação foi desencadeada em novembro passado. Em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq), o Instituto Tecnológico Vale lançou um edital para selecionar e apoiar propostas de pesquisa dentro de linhas definidas pelo estudo intitulado Projeto Setor Mineral – Tendências Tecnológicas Brasil 2015, que elaborou uma agenda de prioridades para investimento no setor mineral.
A iniciativa oferece um total de R$ 6,9 milhões, dos quais R$ 4,7 milhões aportados pela Vale e o restante financiado pelo Fundo Setorial Mineral (CT-Mineral). O edital ainda está em vigor e as propostas de pesquisa podem ser apresentadas ao CNPq até 18 de janeiro de 2010.
APOIO À PESQUISA
A terceira grande ação do ITV envolve uma experiência inédita no país. Tendo como objetivo desenvolver e apoiar projetos de pesquisa científica e tecnológica, ela une a Vale e três das principais agências de fomento à pesquisa no Brasil, entre elas a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa). As outras duas são as fundações de Minas Gerais e São Paulo.  Para se habilitarem ao financiamento, as pesquisas devem contribuir para o avanço do conhecimento científico e da tecnologia nas áreas de mineração, processos ferrosos para siderurgia, energia, ecoeficiência e biodiversidade. Simultaneamente, elas devem também contribuir para a aplicação do conhecimento gerado na promoção do desenvolvimento da tecnologia nacional. De acordo com a assessoria da Vale, cerca de R$ 72 milhões serão aportados pela empresa e o valor restante dividido entre os demais parceiros. No caso do Pará, a Fapespa entrará com R$ 8 milhões, enquanto as FAPs de Minas e São Paulo desembolsarão, cada uma, R$ 20 milhões. O convênio prevê o financiamento a itens de custeio, de capital e todas as modalidades de bolsas pagas pelas FAPs envolvidas – iniciação científica, mestrado, doutorado, pós-doutorado. Terá mais chances de ser contemplado o projeto que propuser o desenvolvimento de pesquisas em redes interestaduais, ou seja, uma universidade do Pará em parceria com uma de Minas ou São Paulo e vice-versa.“Um de nossos principais objetivos é promover a troca de experiências e o intercâmbio de conhecimento, recursos e infraestrutura entre as instituições”, explica o diretor do ITV, Luiz Mello. Para ele, esse modelo incentiva a articulação entre três elos – empresa privada, meio acadêmico e governo – que, historicamente, têm deficiências de comunicação. Entre as linhas propostas para pesquisa estão temas como métodos indiretos de prospecção mineral, melhoria no sistema de monitoramento de barragens, reutilização de resíduos, novas rotas de biocombustíveis, melhorias de eficiência na geração hidrelétrica, conservação de ecossistemas e descoberta de novos produtos, entre outros. Os desafios de pesquisa nestas áreas são relevantes tanto para o desenvolvimento tecnológico e industrial da Vale, conforme frisou Luiz Mello, como para a acumulação de conhecimento necessário para aplicação em diversos campos da sociedade brasileira. (Diário do Pará)










quinta-feira, 28 de outubro de 2010

UM GEÓLOGO PARA O PRESENTE E FUTURO - Paulo César Soares PPGGeol/CCT/UFPR

UM GEÓLOGO PARA O PRESENTE E FUTURO
Paulo César Soares
PPGGeol/CCT/UFPR
Centro Politécnico
81531-990, Curitiba (Brasil)
p_soares@terra.com.br


ABSTRACT
Graduation courses are beeing submitted to countless alterations, so much for consequence of secular changes in the organization of the society as for structural changes happened in the last decades and still for incidental changes at level of intervention of the public domain in the productive system. The crisis in the educational system has several sources, and one of the vectors for effective answers in the professional formation is a flexible curricular structure, with the possibility of wide optional content that attend the regional diversities, the students' interests and of the institutions. Several studies have been revealing the signs of deep structural changes in the society in the last 30 years, in the forms of energy, in the organization of the work and in the structure of the polítical power. The positivist vision of the world, of the century XIX, based in the Cartesian thought, gave precedence to the form of seeing the object in relation to the own object, generating the disciplines, each one with its form of investigating the objects. By virtue of the largest proximity and of the appropriation of the natural objects for the humanity, so much for the facing of geoenvironmental problems and risks, as for the use of the finite natural resources, the geological objects acquired importance for the communities, much larger than simple objects of knowledge and investigation.


Some fundamental characteristics of the postindustrial time are: the change of rhythm of occurrence of the own changes; fast diversification and change of the functions carried out by the people and the exponential renewal of the conceptual content of a knowledge field, demand a change in the conception of graduation courses. It would be impossible, in a current course of geology, to demand (1) a basic formation of the student in biology, physics, mathematics and chemical, and (2) more the whole conceptual content of the area of rocks, minerals and ore deposits, water and petroleum, (3) physical, chemical and biological processes in the formation and destruction of materials and geologic structures, (4) evaluation and use of mineral resources, (5) value and use of the environment in the planning and construction, and still (6) the domain of the used techniques, from the simple field work to the modern artificial intelligence in processing of georeferenced data. Professionals of different areas and using different techniques started to work together for objectives: the search, the discovery, the evaluation, the development, and the production. However, it still resists in the academic environment the illuminist conception of “learn for learning”, a knowledge that eventually would be useful, and the “learn to learn”, a knowledge requirement for the following step in the learning. However, in a society wich the transforming technology have formed an alliance with the knowledge, it became important the “ learn for solving problems”, to accomplish, to transform, demanding then knowing to look for, to read and to work with the information, with the knowledge, instead of being the carrier of the encyclopedic knowledge. Before this optics, a fundamental inconsistency is verified in the format of graduation courses, expressed as curricular grid and discipline serial connecting, whose focus is in the means and not in the extrinsic objectives. As citizen, the professional needs to understand its political, economic and social context; as professional it carries out a social or public function, with rules and laws that regulate, with demand of special qualification, proficiency, besides legal habilitation; the scientific research eventually necessary, is not an objective for graduate professionals. This profile assists a society that is interested in the solution of its problems, not in the understanding, even if for the proessional the understanding would be necessary for the solution. But the understanding is a mean, not an end in itself. Different teachers, making speeches on its different forms of seeing the parts of an object, doesn't supply the student need for a complete image of this object. Thus, the specialization by area of knowledge, or for point of view, doesn't interest, for being not very effective in solving problems, although it could be very efficient in operations. The specialists need to abandon the specialty to investigate a real problem. The acquisition of professional competences should be given inside of an wide domain and of continuous education. The challenge is to reconcile the proposal of amplification of competences with the widening tendency and the shortening of the student's time in the course: competence to understand and to appropriate and deal with concepts, problems and solutions; competence to analyze, to investigate and to solve routine problems and matters; competence to appropriate new techniques to analyze objects and problems. Some characteristics of the new geologist profile can be summarized as capacity to learn, to develop and to use scientifically validated diagnoses, prognostics and correctives procedures in earth resources and environment opportunities and problems; in the understanding, evaluation and transformation of the environment and in the discovery and use of its natural resources. The current format of the basic cycle, with disciplines of high school, is mistaken and has lost the sense, besides provoking high school escape; it should be substituted by a global vision of the problems of the sciences of the earth, as a propedeutic axis along the course. The specific formation generates professional's wanted profile, the acquisition of the competences to solve problems, to look for the knowledge, to work with the conceptual domain, on the processes and entities that compose its work objects and for the acquisition of abilities in the investigation and solution of the problem-objectives related to these objects. A complemental formation for the world of the business becomes necessary, because the professional becomes more a seller of autonomous service or of small companies, or still of cooperatives. The guidelines for the change in the programs of the geologists' formation should highlight the curriculum organization about great themes, on which are defined the problems, and to establish the understanding objectives and of abilities; each theme with its problems and objectives constitute " disciplines ", that for its time will count with a group of teachers; for each topic of each discipline the procedures and investigation forms, study, practice, discussion and learning evaluation are established; it is fundamental the forecast of the practical activities, field work, elaboration of reports and participation in extension activity or apprenticeship with practice of specific abilities of the profession.


RESUMO

Em paralelo com outras transformações, o ensino de graduação vem passando por inúmeras alterações, tanto por decorrência de mudanças seculares na organização da sociedade como por mudanças estruturais ocorridas nas últimas décadas e ainda por mudanças circunstanciais a nível de intervenção do domínio público no sistema produtivo. A crise no sistema educacional tem várias fontes, e um dos vetores para respostas eficazes é uma estrutura curricular flexível, com a possibilidade de amplo conteúdo optativo que atendesse as diversidades regionais, os interesses dos estudantes e das instituições, na formação profissional. Diversos estudos tem revelado os sinais de profunda mudanças estruturais na sociedade nos últimos 30 anos, nas formas de energia, na organização do trabalho e na organização do poder. A visão positivista do mundo, do século XIX, fundamentada no pensamento cartesiano, deu precedência à forma de ver o objeto em relação ao próprio objeto, gerando as disciplinas, cada uma com sua forma de investigar os objetos. Em virtude da maior proximidade e da apropriação dos objetos naturais pela humanidade, tanto pelo enfrentamento dos problemas e riscos geoambientais, como pelo aproveitamento dos findáveis recursos naturais, os objetos geológicos adquiriram importância para as comunidades, muito maior que simples objetos de conhecimento e investigação. Características fundamentais da época pós-industrial em que vivemos, como mudança de ritmo de ocorrência das próprias mudanças; rápida diversificação e mudança das funções desempenhadas pelas pessoas e a renovação exponencial do conteúdo conceitual de um campo de conhecimento, exigem uma mudança na concepção de cursos de graduação. Seria impossível, num curso atual de geologia, exigir do aluno um formação básica em biologia, física, matemática e química, e mais todo o conteúdo conceitual da área de rochas, minerais e minérios, água e petróleo, processos físicos, químicos e biológicos na formação e destruição de materiais e estruturas geológicas, avaliação e aproveitamento de recursos minerais, uso do meio físico no planejamento e construção, e ainda o domínio das técnicas utilizadas, desde as simples de campo até as mais atualizadas de inteligência artificial em processamento de dados georreferenciados. Profissionais de diferentes áreas e usando diferentes técnicas, passaram a trabalhar juntos por objetivos: a busca, a descoberta, a avaliação, o desenvolvimento, a produção. Entretanto, resistem ainda no meio acadêmico as concepções iluminista do “aprender por aprender”, um saber que eventualmente poderá ser útil, e modernista, o “aprender para aprender”, um saber requisito para o passo seguinte na aprendizagem. Entretanto, numa sociedade em que a tecnologia transformadora se aliou ao conhecimento, passou a ser importante o “aprender para resolver problemas”, para realizar, para transformar, exigindo então o saber buscar, ler e lidar com a informação, com o conhecimento, ao invés de ser o portador do conhecimento enciclopédico. Diante desta ótica, verifica-se uma inconsistência básica na formatação de cursos de graduação, expresso por grade curricular e seriação de disciplinas, cujo foco esteão nos meios e não nos objetivos extrínsecos. Como cidadão, o profissional necessita entender seu contexto político, econômico e social; como profissional desempenha uma função social ou pública, com regras e leis regulamentares, com exigência de qualificação especial, proficiência, alem de habilitação legal; a pesquisa científica eventualmente necessária, não é um objetivo. Assim atende a uma sociedade que está interessada na solução de seus problemas, não na compreensão, mesmo que para o profissional a compreensão seja necessária para a solução. Mas a compreensão é um meio, não um fim em si mesmo. Diferentes professores, discursando sobre as suas diferentes formas de ver as partes de um objeto não fornecem ao estudante uma imagem deste objeto. Assim, a especialização por área de conhecimento, ou por ponto de vista, não interessa, por ser pouco eficaz embora possa ser muito eficiente. Os especialistas necessitam abandonar a especialidade para investigar um problema real. A aquisição de competências profissionais deve se dar dentro de um domínio abrangente e de educação continuada. Conciliar a proposta de ampliação de competências com a tendência de abrangência e redução do tempo do estudante no curso é o desafio: competência para compreender e se apropriar dos conceitos, os problemas e as soluções; competência para analisar, investigar e resolver problemas de rotina e particulares; competência para se apropriar de novas técnicas para analisar objetos e problemas. Algumas características do novo perfil de geólogo pode ser sumariada como capacidade para aprender, desenvolver e utilizar procedimentos diagnósticos, prognósticos e corretivos validados cientificamente, na compreensão, avaliação e transformação do meio físico e na descoberta e aproveitamento de seus recursos naturais. O formato atual do ciclo básico, com disciplinas do ensino médio, é equivocada e perdeu o sentido, alem de provocar elevada evasão escolar; deve ser substituído por uma visão global dos problemas das ciências da terra. A formação específica gera o perfil desejado de profissional, levando à aquisição das competências para resolver problemas, para buscar o conhecimento, para lidar com o domínio conceitual, sobre os processos e entidades que compõem seus objetos de trabalho e para a aquisição de habilidades na investigação e solução dos problemas-objetivos relacionados a estes objetos. Adicionalmente, uma formação complementar para o mundo dos negócios torna-se necessária, pois o profissional passa a ser mais prestador de serviço autônomo ou de pequenas empresas, ou ainda de cooperativas. As diretrizes para a mudança nos programas de formação dos geólogos devem destacar organização do currículo por grandes temas, sobre os quais são definidos os problemas, e estabelecer os objetivos de compreensão e de habilidades; cada tema com seus problemas e objetivos constituirão "disciplinas", que por sua vez contarão com um conjunto de professores faciclitadores; para cada tópico de cada disciplina poderão estabelecidos os procedimentos e formas de investigação, estudo, prática, discussão e avaliação de aprendizagem; é fundamental a previsão das atividades práticas, especialmente de campo, de elaboração de mapas e relatórios e de participação em atividade de extensão ou estágio com prática supervisionada.
INTRODUÇÃO


Em paralelo com outras transformações, o ensino de graduação vem passando por inúmeras alterações, tanto por decorrência de mudanças seculares na organização da sociedade como por mudanças estruturais ocorridas nas últimas décadas e ainda por mudanças circunstanciais a nível de intervenção do domínio público no sistema produtivo. Especialmente no Brasil, com a multiplicação das universidades e outras instituições de ensino superior, o número de experiências com novas propostas de formação profissional alcançou contornos não imagináveis há apenas dez anos atrás. Enquanto curso de formação de geólogos a área não experimentou mudanças, praticamente desde 1975, como decorrência de um amplo domínio das universidades públicas (18 em 19 cursos) e de uma demanda restrita por vagas. Enquanto isto, no exterior, muitos cursos de geologia pararam de funcionar e diversas áreas vizinhas se expandiram, como análise, engenharia e gestão ambiental. Entre muitas análises e propostas para uma nova visão de geólogo, destaca-se pelo realismo e profundidade da análise, o trabalho de Waal (1987), especialmente pelo ponto de vista de uma nação emergente e onde os recursos minerais tem ainda um papel importante a desempenhar no desenvolvimento sócio-econômico.


A crise no sistema educacional tem várias fontes, e tem recebido diversas respostas: desde a apenas burocrática do “faz de conta” até mudanças radicais assustadoras. A demanda por cursos cresce e, em paralelo, a expectativa de que a graduação melhoraria a empregabilidade, ou, pelo menos a qualidade do emprego. Entretanto, a pressão econômica sobre as instituições aumenta, em virtude de um empobrecimento geral do setor público e das classes que ascendem ao ensino, e em paralelo um pressão por menor custo do estudante; por sua vez, os estudantes e a própria sociedade desenvolvem uma crítica severa em torno de programas desligados da realidade profissional, com opções e conteúdos desajustados à sua visão pragmática.


Como sinal das mudanças, em 1997, a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (SESU/MEC, 1997) determinou o fim dos currículos mínimos e estabeleceu um novo direcionamento para os cursos de graduação através do estabelecimento de diretrizes curriculares. Comissões de especialistas em diferentes áreas iniciaram então um processo de análise e discussão com a comunidade sobre novas tendências na formação profissional e o que deveria ser um conjunto de diretrizes profissionais. Nas áreas de Engenharia houve uma intensa discussão nacional através do sistema CREA/CONFEA resultando num conjunto inovador de orientação paras que diferentes instituições de ensino superior organizassem seus projetos pedagógicos ajustado a suas peculiaridades e a características regionais, para as agronomias, arquitetura, geografia e engenharias. Na área da Geologia (MEC/SESU) os resultados não acompanharam as demais áreas e até hoje a área não conta com suas diretrizes curriculares. Nova comissão foi constituída e sucessivamente dois seminários foram realizados, reunindo os coordenadores dos cursos de graduação em Geologia (I SEGG, Salvador, 2001; II SEGG, Campinas, 2001; III SEGG, 2003, Belém), culminando com a criação do fórum de coordenadores de cursos de graduação em Geologia. Os seminários consolidaram a proposta original com pequenas alterações, buscando uma maior flexibilização, entretanto muito distante das inovações consolidadas para os outros cursos.


As diversas propostas e diretrizes já formuladas para outros cursos, muitas já consolidadas pelo Conselho Nacional de Educação (ver www. mec.gov/sesu) mostram que houve uma leitura e compreensão heterogênea do significado de diretrizes curriculares e, em conseqüência, resultados diferentes nas propostas apresentadas. A formulação e proposta do MEC/SESU veio atender uma intensa demanda em termos de reformulação curricular, conforme manifestado em inúmeras reuniões em congressos nacionais e simpósios regionais de Geologia, nos últimos vinte anos, e mais especificamente na última década.


Dentre estas demandas, destacam-se:


1) uma estrutura curricular flexível, em substituição à rigidez atual
2) a possibilidade de inclusão de amplo conteúdo optativo que atendesse as diversidades regionais, os interesses dos estudantes e das instituições, na formação profissional
3) Revisão nas características da formação do geólogo tendo em vistas as novas características do contexto regional e mundial em que vão atuar.


Uma importante característica da proposta do MEC foi a de ressaltar que o sistema de currículos mínimos, onde são detalhadas as disciplinas, deveria ser substituído por linhas gerais capazes de definir quais as competências e habilidades que se deseja desenvolver nos estudantes do ensino de terceiro grau. Mais ainda, o estabelecimento de conteúdos essenciais deveria garantir uma uniformidade básica para os cursos oferecidos, “porem as Diretrizes Curriculares devem garantir que as IES tenham a liberdade para definir pelo menos metade da carga horária necessária para obtenção do diploma...” MEC/SESU, 1997, Edital n 4 de 10/12/97 - Diretrizes Curriculares).


O estabelecimento de diretrizes curriculares, assim como o projeto pedagógico de um curso, exigem uma profunda reflexão sobre as mudanças do mundo atual e como elas afetam a vida do profissional e cidadão e a conseqüente visão prospectiva do desenvolvimento social, cultural, científico e tecnológico. Diversos estudos tem revelado os sinais de profunda mudança na sociedade nos últimos 30 anos (Toffler, 1980; Di Masi, ), nas formas de energia, na organização do trabalho e na organização do poder.


Ainda mais, ressalta-se a evidente característica de que uma formação profissional não se revela mais como uma oportunidade melhor de emprego ou serviço; a outra característica de formação, orientada essencialmente para o setor industrial, especialmente nas engenharias e geologia, não está sintonizada com a nova estrutura econômica da sociedade, onde o principal setor em desenvolvimento vem sendo o setor de serviços. Há uma percepção social desta mudança, disseminada rapidamente na sociedade, de forma que os estudantes tiveram seus interesses alterados tanto em termos de escolha de cursos como de assuntos de maior interesse, em todo o mundo. A informação e as técnicas especializadas, antes concentradas na figura do professor, hoje são disseminada nas redes mundiais de informação e em programas especialistas, exigindo um outro papel para o professor, diferente daquele de “ensinar conteúdos e técnicas”. O paradigma cartesiano que legou a crença de que o todo pode ser o resultado da soma das partes e de que o conhecimento vem antes da realidade perdeu sua força. O gap entre a descoberta científica e a sua transformação em produto útil saltou de 100 anos, há um século atrás, para 1 ou 2 anos na atualidade, de forma que a desvinculação entre conhecimento básico e aplicação perdeu o sentido, e hoje a pesquisa já é orientada para o produto, onde o conhecimento básico necessário e gerado tornou-se um meio e não mais um fim em si mesmo. Nova compreensão dos mecanismos de aprendizagem dos estudantes, a necessidade dos grupos de trabalho e a multidisciplinaridade, tornaram obsoleta a visão do estudante individual e passivo que ouve, anota, estuda para a prova e depois esquece 90% do que viu na disciplina.


Os objetos geológicos tem sido por quase dois séculos o principal sítio de investigação nas ciências da terra. Entretanto a visão positivista do mundo, fundamentada no pensamento cartesiano, dando precedência à forma de ver o objeto em relação ao próprio objeto, conduziu os estudos das ciências da natureza a uma multifacetada propriedade dos objetos e a uma monofacetada visão do objeto. Como conseqüência da crença cartesiana “penso, logo existo”, ao invés de “existo, logo penso”, de precedência do pensamento em relação à existência, as várias formas de pensar os objetos adquiriram autonomia em relação ao próprio objeto, sob a qual se desenvolveram as diversas especialidades das ciências.


Entretanto uma maior proximidade e domínio dos objetos naturais pela humanidade, tanto pelo enfrentamento dos problemas e riscos geoambientais, como pelo aproveitamento dos findáveis recursos naturais, os objetos geológicos adquiriram importância para as comunidades muito maior que simples objetos de conhecimento e investigação.


Eles hospedam riscos e benefícios, problemas e indagações, que exigem uma investigação voltada para a compreensão do objeto enquanto risco ou benefício, e não apenas enquanto curiosidade de alguma especialidade científica. Novas formas bem sucedidas de enfrentar os desafios postos diante da humanidade fizeram com que o trabalho se organizasse em torno de objetivos e não mais em torno de métodos, técnicas ou tarefas, típicas da organização por área de conhecimento.


O objeto, incluindo os processos, e o problema que ele hospeda passa a ser precedente em relação às especialidades. Melhor, do ponto de vista do progresso humano, o problema deve ser transformado em problema científico, não propriamente para resolver um problema científico, mas para resolver cientificamente um problema real. Assim, a descoberta de um depósito mineral, não pode ser visto como um problema de geologia econômica, ou de metalogenia, ou de petrologia ou de engenharia. Isto são partes de uma divisão cartesiana do conhecimento.


Da mesma forma o risco de ocupação urbana de uma área, não pode ser visto como um problema de geomorfologia, ou de geotecnia, ou de geologia física; o problema é o risco de ocupação; o profissional deve ser preparado para abordá-lo e apresentar as soluções utilizando-se dos recursos disponíveis na ciência e tecnologia, nas tantas “especiliadades” quantas forem necessárias, enquanto o pesquisador deve ser preparado para transformá-lo em problema científico, investigá-lo, compreendê-lo, representá-lo, nos seus diversos aspectos.


Os objetos geológicos devem estar alem dos objetos disciplinares. Uma falha, como objeto natural, é mais importante que como objeto de algum estudo tectônico. É desta forma que se coloca a nova forma de aprender e abordar um objeto geológico, para o estudante e para o profissional.


A questão fundamental é como fazer esta transição do objeto cartesiano para um objeto naturalista. Primeiro, é necessária uma predisposição dos profissionais para a contínua aprendizagem baseada em problemas, o que vem ocorrendo rapidamente no mercado. Em segundo lugar, é necessário reorganizar os currículos dos cursos em disciplinas focalizadas em objetos e problemas a eles relacionados, ao invés de focalizadas na aprendizagem de procedimentos, e os professores se prepararem para uma abordagem multidisciplinar e colaborativa com outros colegas: uma básica predisposição para ultrapassar a visão mineralógica dos minerais, a visão petrológica das rochas, a visão metalogenética dos depósitos minerais...


Os depósitos minerais tem sido estudados de quatro ou cinco formas diferentes, tal como estabelecido pelos métodos das diferentes especialidades, ao invés de unicamente como os problemas associados a depósitos minerais, como prospecção, pesquisa, gênese, aproveitamento. Ou então os problemas relacionados com os minerais, a identificação, as propriedades, as classes, a ocorrência, a utilidade, o uso, a transformação industrial e o valor, ao invés de primeiro a mineralogia cristalográfica, depois a ótica, depois a determinativa, então as propriedades etc.


Isto significa uma mudança na forma de estudar, priorizando o objeto e os problemas a eles associados. Mas, por onde começar?


Mudanças curriculares tem sido enfrentadas de diferentes maneiras: pavor (“isto vai dar muito trabalho”), visão conservadora total (“não vamos mexer em time que está ganhando”), visão conservadora parcial (“ bastam pequenos ajustes”), visão reformadora conjuntural (mudar a grade, introduzir disciplinas atuais, redimensionar o curso), visão reformadora estrutural (mudar concepção das disciplinas, oferecer flexibilidade, redimensionar o curso). O que propomos aqui é uma mudança de visão da formação do profissional; não centrada nas disciplinas, mas nas competências esperadas para um novo perfil de profissional, visão similar à do SESU/MEC (1997).


Uma propriedade dos sistemas naturais é a homeostasia, a resistência a mudanças que ponham em risco a manutenção de seu status, da sua estabilidade; esta é também uma propriedade do sistema de currículos vigentes e a resistência a mudanças não pode ser menosprezada. Professores vivem um mundo paradigmático, do discurso diário, e o pensamento do grupo tende a minar as tentativas de assumir novas concepções no ensino. Sem uma forte pressão dos estudantes e profissionais, mudanças significativas não ocorrerão.


È fundamental considerar que quando projetamos um curso, projetamos a formação do profissional para o futuro. Então nossas percepções das realidades do passado e do presente têm que servir, não como modelo do que queremos, mas como sinalizadores de um futuro nos quais os profissionais que queremos formar estarão trabalhando. O prognóstico passa a ser fundamental para que ocorra uma pré-adaptação às mudanças inevitáveis. E prognóstico envolve monitoramento de sinais, intuição, tendências, cenários, extrapolação, previsão, análise de impactos e simulação. A maior dificuldade não são as incertezas associadas, ou as dificuldades de avaliar o espectro de mudanças, mas as barreiras emocionais (Santos et al. 1977): o conservadorismo, a lealdade a conquistas já alcançadas, o fato das perdas não serem compensadas emocionalmente pelos ganhos e a tendência de relevar aquilo que está mais próximo, com o que estamos habituados. Adicionalmente, deve se considerar que, pessoalmente, todos somos vítimas de nossas melhores intenções pessoais, na crença de estarmos sendo racionais, pois nossa mente flutua inadvertidamente entre o racional e nossas intenções pessoais (Kahneman & Tversky, 1973).


Uma notável ambiguidade na discussão da formação e papel do geólogo é a questão: ser mais cientista ou ser mais engenheiro. Sem avançar na questão epistemológica, é admitido que o foco das engenharias é a transformação (o engenheiro inventa, operacionaliza, transforma, constrói, determina) de objetos do mundo real; o da geologia é a investigação (geólogo descobre, descreve, representa, interpreta, recomenda) de objetos do mundo mineral, tanto natural como artificial. No mundo da engenharia a investigação é contingencial, enquanto esta é essencial no mundo do geólogo: “o geólogo é o detetive das rochas”, disse muitas vezes o Prof. Eurico Rômulo Machado aos estudantes de geologia (URGS). Contrariamente, a atividade transformadora é essencial na engenharia e circunstancial na geologia. Ambas fazem diagnósticos e prognósticos sobre os materiais e sítios naturais. Apesar deste fluxo da informação e larga faixa de interferência, pouco o geólogo aprende de engenharia e pouco o engenheiro aprende da geologia. De forma semelhante acontece com a medicina e a biologia, e neste caso a solução vem com os profissionais biomédicos, atualmente em formação.


Engenheiros geólogos, engenheiros ambientais, geoengenheiros, geotecnólogos situar-se-iam-se nesta categoria intermediária, embora na prática isto não tenha se definido claramente. Alguns projetos pedagógicos, especialmente ligados a centros tecnológicos, poderiam avançar nas competências em atividades transformadoras, na formação do geólogo, ou geoengenheiros. Outros podem ser mais acadêmicos, com competências dominantemente investigativas. Outros mais ambientais, ou geoecólogos. Algumas destas formulações são claramente combinações interdisciplinares e já tem suas áreas reconhecidas, a nível de especialidade. Mas a zona de interferência entre geologia e engenharia (tambem medicina) e, de forma homóloga, biologia e medicina (tambem engenharia), apresentam uma característica diferente: as primeiras buscam compreender os objetos e fenômenos naturais, e as segundas, transformá-los. Durante a história da humanidade a compreensão e a transformação estiveram desvinculadas; isto porque a descoberta somente se transformava em utilidade dezenas a uma centena de anos depois. No mundo tecnológico atual, a descoberta gera utilidades no mesmo ano da descoberta, e por conta disto o fluxo investigação-transformação se transformou no principal valor da atualidade. Em razão disto, uma preparação para realizar este fluxo assume grande identidade profissional. Esta discussão a nível teórico é aqui pouco útil. Na prática, consideramos que podemos investigar cientificamente os objetos e processos para a sua compreensão (o que é definido como pesquisa básica) ou para resolver problemas reais (pesquisa aplicada). Entretanto conhecimento científico, tanto resultante de pesquisa básica como aplicada, não resolve problemas reais; exige uma intervenção transformadora, significando métodos, meios, técnicas e competências diferentes. Então para superar esta barreira real, uma solução é a proposta de aprender a fazer pesquisa aplicada, situando este propósito dentro do espaço para interação. Aceitar esta concepção, aceitar que o profissional das ciências geológicas, oceanológicas, biológicas etc., (o terceiro nível do conhecimento) seja um profissional investigativo na solução de problemas reais, significa aceitar que a aprendizagem tecnológica transformadora (o quarto nível) é suplementar, e não define o profissional, mas o torna mais competente.
O CONTEXTO


Três características fundamentais caracterizam a época pós-industrial em que vivemos: (1) mudança de ritmo de ocorrência das próprias mudanças, para uma velocidade inesperada; (2) a rápida diversificação e mudança das funções desempenhadas pelas pessoas, em especial pelos profissionais; (3) o ritmo de renovação do conteúdo conceitual de um campo de conhecimento é da ordem de 50% para cada 10 ou 15 anos; (4) o retardo entre descoberta científica e produção de utilidades reduziu-se exponencialmente, de 100 anos há dois séculos atrás para menos de cinco anos.


Estas características presentes no mundo pós-moderno exige um novo enfoque na formação profissional, ressaltando a diversidade de perfis profissionais, e com isto a flexibilização curricular, e a necessidade de educação continuada, ou seja, a concepção de que a graduação não é uma fase terminal na formação profissional; com isto fica ressaltada a necessidade de reduzir os prazos de formação profissional, pois aquela característica formativa não mais é considerada duradoura para toda a vida, como era claramente considerado na época da formulação e definição das profissões, atribuições e currículos atuais. Como bem ressaltado por Waal (1987), o que parece ser uma oportunidade de carreira profissional atual, pode não o ser daqui a poucos anos. Então, o que fazer?


Seria impossível, num curso atual de geologia, por exemplo, exigir do aluno um formação básica em biologia, física, matemática e química, e mais todo o conteúdo conceitual da área de rochas, minerais e minérios, água e petróleo, processos físicos, químicos e biológicos na formação e destruição de materiais e estruturas geológicas, avaliação e aproveitamento de recursos minerais, uso do meio físico no planejamento e construção, e ainda o domínio das técnicas utilizadas, desde as simples de campo até as mais atualizadas de inteligência artificial em processamento de dados georreferenciados. Toda esta dificuldade ocorre porque a diversidade de problemas e o volume de informações e técnicas disponíveis cresceu e cresce geometricamente. Uma alternativa seria oferecer um curso de geologia para o qual o aluno teria de dispor de 10 ou mais anos para completar. Devido à velocidade com que as mudanças ocorrem, quando o aluno completasse seu curso, metade dos conteúdos exigidos poderiam ser obsoletos e o enfoque profissional demandado pela sociedade seria outro, de tal forma que este aluno logo teria que retornar à escola.


Logo, é necessário oferecer uma oportunidade para formação abrangente, não duradoura, com diversas opções de complementação em termos de preparação profissional. Em paralelo oferecer a oportunidade de retorno deste profissional para adquirir outras competências ou atualizar as competências adquiridas. Este talvez seja o maior desafio a ser enfrentado pelo geólogo e pelas universidades.


Nas décadas de 60 (até final da década de 70) mapeamento geológico era a principal demanda profissional no Brasil; na década de 70 a preparação para a exploração mineral (Prospecção e Geologia Econômica) e a construção de grandes barragens (Geologia de Engenharia) era dominante; na década de 80n a demanda por geólogos de recursos hídricos e de planejamento dominou; na década de 90 predominou a demanda por geólogos ambientais; e finalmente na década de 2000 predomina a demanda por geólogo de petróleo e recursos hídricos. Mas, uma outra característica dos tempos atuais é a elevada parcela de graduados em Geologia que não exercem seu papel profissional, alcançando mais de 50%, se considerarmos o número de registros nos CREAS. Esta característica está associada a uma natural distribuição de oportunidades, aos novos papéis desempenhados e à perda de interesse na profissão, tanto mais acentuada quanto menor for a relação entre demanda e oferta de serviços na área. É aceitável que a universidade não esteja atrelada ao mercado na oferta de cursos; entretanto seria insano voltar as costas para a realidade das demandas do mercado, que acaba refletindo as demandas da sociedade, que por sua vez de uma forma ou de outra é quem financia a universidade.


A flexibilidade na formação profissional significa oferecer um projeto de curso com diversas alternativas de formação, cujas opções possam ser tanto da instituição como do aluno. Significa ver o curso como um conjunto de alternativas de formação, especialmente considerando tutorias, estágios, cursos de extensão, oferecidas pela instituição, onde o usuário faz suas opções para acesso e realização, incluindo um retorno freqüente, na forma de educação continuada. É uma visão oposta à de um processo de produção em série, muito utilizada nos curso do século passado, onde a "matéria prima entra", submete-se a um mecanismo de transformação e resulta em um produto pré-formatado, acabado e econômico.


FLEXIBILIDADE X RIGIDEZ NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL


Três outras mudanças significativas, com implicações importantes na concepção do perfil do profissional: (1) domínio científico e tecnológico tem maior um valor estratégico nos mercados internacionais, substituindo a concepção de que a matéria prima e o trabalho (juntamente com o capital) constituiriam os ingredientes fundamentais no progresso das nações. (2) A preocupação com a qualidade ambiental, entrou no grupo das quatro grandes preocupações mundiais (fome, crescimento populacional, recursos hídricos). (3) O exercício da cidadania e o direito ao lazer são novos valores nas sociedades modernas e democráticas, exigindo conteúdos de ética, preparação para artes e para a participação nos movimentos sociais.


Estas características implicam na introdução de nova temática no conjunto de competências esperadas pela sociedade e conseqüentemente no conteúdo essencial na formação profissional do geólogo.


Uma outra mudança importante diz respeito à nova concepção de organização do trabalho e da abordagem de problemas, na década de oitenta, envolvendo todas as áreas de atuação e conhecimento: mudando da organização e orientação pelas técnicas (p. ex. setor de geoquímica, numa empresa de exploração), para a organização e abordagem por objetivos ou objetos de interesse (por exemplo grupo de avaliação, ou grupo do ouro). Baily (1979) foi o grande estimulador destas mudanças na exploração mineral, seguindo a linha de Peter Druker. Esperava-se ter ocorrido já o fim dos departamentos ou seções, de geoquímica, de petrografia, de geofísica, de sensoriamento remoto etc., nas empresas de exploração e produção, e também nas universidades; entretanto houve um retardo grande e a maioria das instituições e universidades públicas ainda não incorporou estes novos mecanismos de gestão de processos orientados para alcançar o objetivo: por exemplo, o objetivo é a formação do profissional, os processos são as rotinas para aprendizagem; porem enquanto a responsabilidade pelos objetivos é do coordenador do curso, a responsabilidade pelos processos é dos departamentos, que detêm os meios.


Profissionais de diferentes áreas e usando diferentes técnicas, deveriam ser orientados para a solução de problemas, a busca, a descoberta, a avaliação, o desenvolvimento, a produção; e para ver claramente a necessidade da abordagem do problema, simultaneamente de diferentes ângulos: as ações passariam a ser orientadas para o objetivo, resultando enquanto método científico na construção de modelos exploratórios. É claro que a resistência foi imensa, e muitos geoquímicos e geofísicos e geólogos continuaram achando que o certo era fazer um bom levantamento geoquímico, um bom levantamento geofísico, um bom levantamento geológico, e que cada um fazendo bem a sua parte o final seria feliz. Uma entidade geológica qualquer, como um aqüífero, tem que ser concebido do ponto de vista de sua realidade completa como entidade natural, não do ponto de vista de hidrogeologia ou da geofísica, ou geoquímica ou da tectônica. Esta nova concepção está bem consolidada na concepção de modelos exploratórios (Adams, 1985), embora grande parte dos geólogos ainda não a tenha introduzido em seus programas.


Resiste ainda no meio acadêmico a concepção iluminista do “aprender por aprender”, como se fosse óbvia a necessidade de saber algo apenas por saber, um saber que eventualmente poderá ser útil no futuro; de forma similar resiste tambem a idéia modernista da aprendizagem seriada, do “aprender para aprender”, identificando o sincronismo, onde um conjunto de informações era considerada necessária para que, sucessivamente, se aprendesse a série seguinte, “a patética superstição… de que mais informações significa mais conhecimento” (E. Fromm, O Coração do Homem). Em virtude das mudanças paradigmáticas da sociedade pós-industrial, passa a ser importante o “aprender para resolver problemas”, para o fazer, para realizar, exigindo então o saber buscar, ler e lidar com a informação, com o conhecimento, ao invés de ser o portador do conhecimento enciclopédico.


Muitos currículos nas áreas não tradicionais e fortemente regulamentadas, e diversos currículos em áreas tradicionais (mesmo na Medicina) adotaram a formulação dos conteúdos temáticos, caracterizados por objetos e objetivos (por exemplo: no tema “Cinturões orogênicos”, seriam estudados paleogeografia, magmatismo, sedimentação, metamorfismo, deformação, recursos minerais e história); esta concepção substitui aquela determinada pelo conjunto de técnicas características (petrologias) aplicadas sobre diversos tipos de objetos.


De forma ainda mais ajustada à objetividade que caracteriza o mundo pós-moderno, pensa-se em uma listagem organizada de competências esperadas sobre temas e problemas, relativos a objetos e objetivos, como parte do conteúdo essencial, típico do perfil de profissional desejado, e não a listagem de disciplinas ou matérias, que já tem uma formatação seqüencial, tradicional e rígida, definidas em livros textos, que se organizaram numa visão cultural de ciência e organização compartimentada pelas técnicas e meios.


Embora muitas disciplinas tenham se organizado originalmente a partir de objetos de estudo, foram posteriormente, durante o positivismo, caracterizadas pela forma de investigação; de uma certa forma foi usada a concepção cartesiana de "penso, logo existo", ou seja de que o indivíduo que examina o objeto antecede o objeto; subseqüentemente o objeto foi se adaptando, sendo reduzido à racionalidade do estudioso, ao modo de investigar do pesquisador e depois do professor e da disciplina. Assim um professor de geomorfologia vê de forma reducionista uma encosta como o resultado de um processo erosivo, enquanto o de pedologia a considera o suporte para o solo, a geotecnia a vê como resultado de movimento coletivo de solo, e o hidrogeólogo a vê como uma feição ajustada ao nível freático. Enquanto, para a sociedade, a encosta está sendo uma entidade natural usada para diversos fins, para a agricultura, para a estrada, construção da casa, para o aproveitamento de água etc. E os problemas reais, como erosão e perda de solo, escorregamentos, secamento de fontes agravam-se e dificultam a convivência, transformando a encosta em problemas, cujo entendimento exige uma abordagem holística do escoamento superficial, da infiltração, de reologia e rastejamento do solo, do rebaixamento do freático, do intemperismo etc. Por que , então, não transformar a encosta, ou interflúvios, em objeto de estudo, buscando uma aprendizagem integrada por parte do aluno?


Ainda como exemplo, poderíamos identificar outra classe de objeto de estudo, as bacias sedimentares, e levar o estudante a descobrir suas características, sua origem, sua dinâmica, sua organização, sua história, seus recursos, seus problemas. Mas, como estratégia metodológica, é preferível para o estudante adulto, que o assunto seja transformado em problemas, vinculados a problemas do cotidiano do profissional, e iniciar o curso em torno de um problema, como: onde se encontram os principais recursos hídricos potáveis (e/ou recursos energéticos), duas das grandes preocupações da humanidade? Desta forma, o objetivo do curso será a solução do problema. Com dados, informações, gráficos, mapas, textos, os estudantes deverão ser levados até a compreensão dos conteúdos básicos, do por que as bacias são diferentes, na geometria, no preenchimento, na organização, na evolução, na origem, e finalmente como classificá-las. Este é um caminho de aprendizagem quase inverso ao comumente desenvolvido nos cursos: a proposta é começar com a definição do problema e ir envolvendo a concepção dos objetos, as origens, a classificação, enfim os conteúdos necessários para a solução do problema. Esta nova estratégia, a da aprendizagem baseada em problemas (PBL; Boud & Faletti, 1991), em franca disseminação pelo mundo, constitui o grande desafio para os professores na formação profissional. Tem a grande vantagem de aproximar os conteúdos da aprendizagem aos assuntos vividos pelos profissionais, dando a eles uma abordagem metodológica científica; mas exige um grande esforço de planejamento do curso, do desenvolvimento dos conteúdos, de acompanhamento das competências adquiridas, com grande disciplina do professor/tutor e dos estudantes, aliás com em qualquer programa que se propõe à qualidade, à excelência.


Assim, a rapidez das mudanças na atualidade, o andamento de uma revolução no conhecimento, a diversidade de papéis desempenhados pelos profissionais, no caso dos geólogos em sua maioria à margem dos conteúdos dos cursos, a velocidade de renovação e expansão do conhecimento científico e tecnológico tornam inconsistente qualquer projeto de formatação rígida de um curso de graduação, expresso em grade curricular e em uma seriação de disciplinas, cujo foco estão nos meios e não nos objetivos extrínsecos. Outra concepção é necessária: módulos baseados em conjuntos temáticos, organizados sobre objetos-problemas reais, desenvolvidos com objetivos extrínsecos, focados em torno de problemas vinculados à atividade cotidiana dos profissionais. Flexibilização e educação continuada são os novos desafios. Admite-se que esta transformação não seja feita agora, por exigir uma transformação dos principais agentes, os professores, mas não se pode estabelecer diretrizes que a impeçam para o futuro.


A FORMAÇÃO PROFISSIONAL É PARA QUÊ?


Esta questão é muito controversa; profissionais de diferentes áreas com diferentes experiências e posições tem um resposta diferente. Um fato importante a considerar é que um curso de graduação não comporta mais uma pesada carga horária como em décadas passadas, em razão da perda do poder gerador de renda, emprego, ou oportunidade de exercício da profissão . Uma formação para um geólogo, durante 5 ou 6 anos, de qualquer forma, é incompleta e pouco duradoura do ponto de vista do próprio conhecimento disponível. O profissional, assim formado em conteúdos conceituais e técnicas, tem pouca possibilidade de ajustar sua compreensão científica e suas habilidades de solução de problemas multidisciplinares. Diante das mudanças de demanda na sociedade, este profissional se veria em dificuldades de adaptação e seu retorno à universidade para adequação de sua compreensão e aquisição de novas habilidades exigiria um tempo muito grande (equivalente à realização de um novo curso).


Alem disto, a formação orientada para um conjunto restrito de funções limita o desenvolvimento futuro do profissional dentro da diversidade de seu campo de qualificação. As demandas por capacitação prática específica decorrem de um tempo de vida na profissão; apenas na fase inicial do exercício profissional, o domínio de técnicas específicas é importante, como já argumentou Assine (1994), uma vez que se observam tendências de demandas na evolução profissional: fase inicial, domínio de técnicas; fase jovem, bases técnico-científicas; fase madura, competência gerencial e empresarial; fase sênior, humanidades, arte, lazer.


A missão da universidade, ou de um programa de formação profissional, é a oferta de oportunidade para a formação de um cidadão, com um qualificação profissional distinta; adicionalmente podemos considerar que:


(1) um cidadão deve entender seu contexto político, econômico e social, deve ter em vista as exigências para um ambiente adequado e sustentável, deve participar ativamente dos movimentos sociais, e


(2) o exercício profissional é uma função social ou pública, com regras e leis regulamentares, com exigência de qualificação especial, competência técnico-científica e operacional (proficiência), alem de habilitação legal, para realizar serviços de rotina ou eventuais demandados pela sociedade;


(3) para o profissional, os objetivos de seu trabalho se resumem na solução de problemas práticos; a pesquisa científica eventualmente necessária, como um meio para alcançá-los;


Para o um profissional técnico-científico, das ciências da natureza, como o geólogo, a demanda freqüentemente exige investigação científica do objeto, fenômeno ou problema; nisto difere substancialmente dos profissionais que tratam de tarefas, intervenções, projetos e empreendimentos transformadores de materiais, ambientes, indivíduos e comunidades. Naturalmente que é importante compreender para transformar, como disse Humberto Eco em “O Nome da Rosa”: o papel que a investigação científica assume na vida dos profissionais das ciências naturais, da compreensão do objeto, é diferente daqueles profissionais que tratam da transformação.


DIferentemente, a formação para a pesquisa científica objetiva a formação do pesquisador, ou seja, a preparação para a investigação do objeto, para a sua compreensão e explicação, que pode interessar ou não para a sua transformação; enquanto para o exercício profissional, a pesquisa científica pode ser uma necessidade, para o pesquisador cientista, a pesquisa científica é a sua prática diária, e a descoberta científica, sobre problemas científicos, é o objetivo de seu trabalho; este tipo de formação é esperada nos programas de Mestrado e Doutorado, com um custo três a cinco vezes maior que o da formação de um profissional.


A formação de professores para as ciências tem uma importância crescente tendo em vista a preocupação cultural com o meio ambiente e com a cidadania. A compreensão destes temas exige um aprofundamento da abordagem e estudo de temas relacionados, já no ensino fundamental, precariamente desenvolvidos nos programas de estudos sociais, ciências e geografia. A formação de um professor familiar com a abordagem destes temas e com competência para a prática do ensino-aprendizagem e para a motivação dos alunos é fundamental para o desenvolvimento futuro dos educandos. Neste sentido a formação do professor não pode ser confundida com a de complementaridade daquela do profissional ou do pesquisador; segue outra lógica, outro caminho, pois tem outro objetivo, o saber liderar um grupo no processo de aprendizagem. Não pode ser confundido com transmitir sua compreensão do mundo, dos objetos, dos fenômenos (ciências) ou de suas competências profissionais; nem seria o caso de treinamento em técnicas, práticas ou palestras informativas.


Certamente os geólogos, mesmo aqueles em pleno exercício profissional, exercem diversos papéis para o desempenho de suas funções. Espera-se que o curso de formação profissional os prepare para estas funções e não para serem estudantes de pós-graduação, professores ou pesquisadores.






ABORDAGEM MONO-, INTER-, MULTI- E TRANSDISCIPLINAR


A grande maioria dos cursos atuais é caracterizada por multidisciplinaridade, mas não por abordagem multidisciplinar. Diversas disciplinas reduzem independentemente um mesmo objeto de estudo aos seus métodos e o examinam com as suas ferramentas. Na abordagem multidisciplinar o objeto é examinado integradamente segundo as ferramentas das diversas disciplinas de forma a alcançar um objetivo. A avaliação é pela compreensão e capacidade de lidar com os problemas relacionados ao objeto, não pelo conhecimento conceitual ou analítico da disciplina.


Ressaltando alguns pontos já abordados, duas são as razoes principais para a falência da monodisciplinaridade. Em primeiro lugar, a questão de a sociedade ser usuária e estar interessada não no conhecimento, mas nas respostas das entidades e processos sobre os quais se aplica o conhecimento; mais especificamente, está interessada em como prever a erupção de um vulcão, e não em como um petrólogo modela os processos de cristalização e degaseificação do magma subvulcânico, ou como o geofísico modela e detecta uma mudança na velocidade de propagação das ondas sísmicas, ambas auxiliares na predição da erupção vulcânica; a sociedade quer saber como funciona, para se prevenir ou se defender, ou utilizar, ou transformar; o profissional estará mais preparado para dar esta resposta se entender de vulcões e não de geofísica ou petroquímica. Ora, isto significa uma preparação para abordagem multidisciplinar de um objeto (o vulcão), com vistas a um objetivo ( a predição da erupção).


Em segundo lugar o aprofundamento da especialização por disciplina tende a afastar os investigadores e profissionais que lidam com o mesmo objeto e mesmo objetivo, por criarem um linguagem especializada da área; assim o geógrafo, o geólogo, o pedólogo ou o engenheiro civil que investiga uma encosta traz a linguagem superespecializada de suas respectivas áreas e não uma linguagem ajustada à compreensão dos processos e entidades presentes na encosta e a melhor forma de interferir neles. O resultado mais freqüente é um relatório em que cada especialista retrata sua visão da realidade (sua realidade) e a encosta permanecerá uma incógnita para o eventual usuário que deveria beneficiar-se do conhecimento. Este tipo de problema é comum nos estudos de prospecção e de impacto ambiental, por exemplo. Da mesma forma, na área da saúde uma dor específica pode ser abordada, interpretada e tratada de diferentes formas, de acordo com a especialidade monodisciplinar do profissional.


No início do Renascimento, na segunda metade do século XV, um sábio de nome Comenius chamava a atenção para a formação investigativa e não repetitiva, afirmando: “Há que ensinar os homens a tirar conhecimento não dos livros, mas do céu, da terra, dos carvalhos e das faias...”. Mais adiante “.. É preciso ensiná-los a conhecer e a investigar as coisas diretamente em si mesmas” (citado por H. Poincaré, em Discurso do Método). É uma forma de dizer que os objetos de estudo são as entidades naturais, como elas existem. Posteriormente em decorrência de uma visão cartesiana aprofundada pelo positivismo, as entidades passaram a ser vistas pela ótica de sua utilidade na disciplina, e portanto do conhecimento compartimentado; como as diferentes disciplinas as vêem.


Ao se analisar os títulos das revistas mais recentes, mesmo as mais especializadas, verifica-se seu enfoque progressivamente em temas abrangentes abrindo espaço para a multidisciplinaridade, por exemplo: . "Terra Nova", da European Society of Geological Sciences; Global Changes, Basin Research, Quaternary Research, Heat Transfer da Elsevier etc.) . A abordagem interdisciplinar, na interface entre duas ou mais disciplinas, constituindo um campo fértil do ponto de vista da descoberta científica e da inovação tecnológica, tal como biofísica, bioquímica, ou geofísica e geoquímica, ou nas engenharias ( interface com a química, com a mecânica, com a informática). O transdisciplinar está presente em muitas investigações e atribuições profissionais em virtude dos problemas e desafios inteiramente novos postos pela sociedade pós-industrial; um exemplo disto é o caso das pesquisas sobre o genoma, onde físicos deixam de ser físicos, químicos, médicos, geneticistas, biólogos, deixam de sê-los para se integrarem num programa transdisciplinar (embora iniciado como multidisciplinar); os especialistas deixam de ser especialistas para investigar um problema inusitado; casos semelhantes parecem ser o de investigações sobre toxidez provocada ou natural dos solos.


Muitos profissionais se envolvem em tarefas complexas que passam a exigir um abandono de sua visão profissional tradicional para desenhar um novo tipo alternativo de função, especialmente na medicina, nas engenharias e tambem na geologia ambiental e na geologia exploratória. As pesquisas e funções nas áreas de fronteira, especialmente dentro de visão sistêmica das entidades naturais, parecem tender a este tipo de abordagem. É notável como muitas das chamadas de oportunidades de emprego e concursos não selecionam pelo tipo de profissional, mas pelo tipo de problema que se situa a competência desejada.


Ora, um projeto de formação profissional tem que considerar esta mudança; sabermos tudo sobre tectônica de fraturas não nos torna competentes para analisar a potencialidade de um reservatório fissural.


FORMAÇÃO ABRANGENTE E FORMAÇÃO ESPECIALIZADA


De Masi (2000) chama a atenção para três importantes fatos da revolução sócio cultural pós-industrial: a “des-especialização”, a “des-padronização” e a “des-sincronização”, como superação dos movimentos decorrentes da industrialização na primeira metade do século passado.


A especialização por tarefa, que foi uma exigência da sociedade industrial, perdeu sua importância. De forma simples, pode se lembrar que "Os mais especializados tem maior dificuldade a se adaptarem a mudanças" (um princípio que bem conhecemos tambem da paleontologia e da biologia evolutiva). As competências específicas do profissional são adquiridas com o seu envolvimento e dedicação no trabalho e exercício profissional, especialmente através da auto-aprendizagem. Isto é o que as empresas maiores e menores fazem, oferecendo um treinamento rápido para a aquisição das competências específicas demandada pelo função a ser desempenhada.


Por isto a formação abrangente e a preparação para a aprender (aprender a aprender) oferece mais versatilidade que a formação específica, por facilitar a adaptação e retorno á escola. Porém competências específicas diversas geram maiores oportunidades, embora sejam tantas as especifidades que dificilmente algum profissional sairia da graduação preparado par o exercício de atividades específicas com proficiência, sem integrar um grupo de profissionais mais experientes; esta preparação pode ocorrer em diversas áreas. Algumas competências ou habilidades prontas para se reproduzirem no exercício profissional, são mais facilmente adquiridas em estágios supervisionados, bolsas e atividades de extensão, durante a graduação. Nesta concepção, as disciplinas devem ser orientadas para serem finalizadas com a aquisição de competências no exercício profissional: aprender a investigar os objetos e a resolver problemas práticos, na forma de casos, a eles associados, ao invés de primeiro as básicas (muitas) e depois as aplicadas (poucas). Esta mudança permitiria o alcance de competências específicas e diversas, dentro de uma formação abrangente.


O outro princípio da visão sistêmica "o todo é maior que a soma das partes" facilita a compreensão de um falseamento da visão cartesiana típica da abordagem modernista tradicional, segundo a qual diferentes pessoas discursando sobre as suas diferentes formas de ver as partes de um objeto fornecerão uma imagem completa deste objeto. Ou ainda, se cada um fizer bem a sua parte, o resultado será bom. Isto foi bom para o setor produtivo serial, de automatização mecânica, mas conduziu a sociedade a se adaptar aos padrões disponíveis: padrão de carro, de telefone, de formação profissional etc. Observa-se que decorre desta lógica a própria concepção organizacional vigente neste século passado, de coordenação de curso, onde os diferentes departamentos oferecem diferentes visões (disciplinas) de diferentes partes dos objetos (entidades e processos) ou da solução de problemas; uma coordenação (ou colegiado) junta um conjunto de visões (disciplinas) e forma um curso. O estudante entra no curso, por longo tempo seriado, o ensino fundamental, preparando-o para o segundo grau e este preparando-o para o terceiro grau, como matéria prima a ser moldada e seguindo os padrões de produção, e sai com o formato padrão, ou é reprovado, como produto descartado. Formado, tem então um espaço certo para continuar seu destino: entra na indústria, seguindo o roteiro da especialização e padronização da indústria, até perder o interesse da indústria, quando, por fim, fica aguardando a aposentadoria. Tudo sincronizado!


Nos programas atuais, a disciplina cursada não é orientada para um objetivo formativo, que constitua o objetivo do programa; ao contrário, contem o objetivo em si mesma, e se limita a este objetivo e reprova se não satisfizer o padrão da série. A disciplina, que seria um meio de aprendizagem para o aluno de um curso, se constituiu num objetivo em si mesmo; um aluno mesmo sendo bom em todo o conjunto do curso não se graduará se não cumprir o objetivo da disciplina.


Ninguém decretou o fim deste destino; a própria evolução tecnológica e cultural, com suas mudanças estruturais na economia e relações sociais permitiram uma nova forma de pensar:


1. A graduação não constitui mais um projeto de vida e nem uma garantia de sucesso social;


2. O fim da fidelidade nas relações das instituições com seus empregados, mesmos nas públicas, rompeu com estabilidade e destino na vida profissional e pessoal;


3. Falta de clareza quanto a oportunidades em termos de carreira profissional;


4. A multiplicidade de cursos rápidos de formação especializada permite aquisição de competências diversas e retorno à escola, com educação continuada;


5. O longo tempo em posições incertas e de baixo rendimento, vivido pelo jovem profissional e a inalteração deste quadro com a formação em nível de pós-graduação acadêmica.


Os especialistas vem sendo substituídos por softwares e equipamentos dotados de inteligência artificial, capazes de analisar e de tomar decisões diante de múltiplas evidências em velocidade e reprodutividade incalcançável pelo profissional. Assim a especialização por técnica ou área de conhecimento não interessa, porque é restritiva e descartável. Em seu lugar surge a aquisição de competências específicas e diversificadas para desempenho em um projeto, e isto exige capacidade para aprender e uma visão geral das oportunidades em diferentes áreas.


Na sociedade moderna o profissional carregava sua “bagagem” conceitual, analítica e prescritiva, com sua formação. A explosão do conhecimento tornou esta formação quase impossível. Hoje, na sociedade do conhecimento, o profissional tem uma disponibilidade incrivelmente facilitada para acesso a esta bagagem e o novo problema passou a ser como se apropriar e lidar com esta bagagem no momento necessário, ou, como disse o professor Hélio Waldman (Jornal da Unicamp, 213, 2003, p.7) ter condições de se movimentar na nuvem de conhecimento, “capacidade para captar este conhecimento com rapidez para poder aplicá-lo na situação em que ele é exigido”.


Considerando a meia vida do conhecimento geológico em 10 anos, ou seja 50% de renovação a cada 10 anos, entre 1960 e 2000, o conteúdo da geologia se multiplicou por 8 vezes, o que nos levaria a concluir que precisaríamos de 40 anos para formar um geólogo com domínio temático e operacional proporcionalmente equivalente ao das classes de 1960. Um curso de geologia hoje tem cerca de 40 disciplinas, para as quais se pode estimar 15 tópicos (p.ex. Dobras), abordando pelo menos 10 conceitos (flanco, charneira, caimento...) e cerca de 10 procedimentos (medidas, operações, com mergulhos, etc.), totalizando 300 conceitos e procedimentos, ou no curso cerca de 12 mil. E isto representaria apenas uma parcela do conhecimento sobre o tema, da ordem de 1/20 a 1/10. Experiências têm mostrado que os alunos se apropriam e guardam, por razões diversas, entre um e 10% daquilo que lhes foi supostamente ensinado. O que nos leva ao incrível nível de conhecimento adquirido de menos de 1% do conhecimento disponível durante o curso de graduação. Em virtude desta disparidade, nos colocamos diante das reclamações constantes que fazem os empregadores dos professores e os professores daqueles que os antecederam e dos próprios alunos.


Como se vê, num universo de conhecimentos tão amplo, ainda avançando rapidamente na interdisciplinaridade, como selecionar e compor um temário de formação específica? Diferentes grupos consideraram de forma diversa, e alguns vêem aí uma oportunidade de ampliar seu mercado profissional, tendo em vista a tendência dos conselhos fiscalizadores do exercício profissional tenderem a conceder atribuições com base nas competências esperadas em função dos conteúdos dos cursos. Como conciliar esta proposta de diversificação de competências mais a tendência de abrangência com redução do tempo do estudante no curso?


Uma importante tendência observada nos congressos e simpósios de geologia e nos programas induzidos de projetos de pesquisa é a progressiva predominância de temas multidisciplinares e enfocados nos problemas da atualidade: água, energia, meio ambiente matéria prima, o que de uma certa forma reflete os grandes dilemas da humanidade - onde matéria prima situa-se na categoria de insumos para a agricultura (alimentos) e para a indústria (qualidade de vida) (Soares, 1991). Uma outra tendência importante, revelada na frase “ maior proximidade com a superfície e com o tempo zero”, dita por Claude Allègre (geólogo e ministro de Ciência e Tecnologia da França), em conferência no 31o Congresso Internacional de Geologia (2000), significando uma presença maior dos temas geológicos relacionados com o meio e com o tempo em que o homem vive. Dois vetores devem, portanto, marcar acentuadamente as prioridades nos programas de graduação: a importância na solução de problemas e a vida (qualidade e preservação).


PERFIL PROFISSIONAL DO GEÓLOGO


As opções de trabalho para o geólogo se diversificaram muito desde a criação dos cursos de geologia no Brasil em 1957. A atuação do geólogo era principalmente para setor industrial, então dominante (matérias primas, energia), e setor público (levantamentos básicos, fomento e gestão, docência), então grandes empregadores; na época atual, o setor de serviços, dominado pela atividade de autônomos e terceirizados, passou a ser dominante, chegando a ocupar 70% da atividade econômica, e o campo principal de atuação do geólogo se deslocou para este setor, exigindo novas competências e habilidades, especialmente visão de negócio.


Os novos desafios passaram a ser como lidar com problemas reais, de rotina, de clientes e usuários, e não propriamente problemas geocientíficos, embora os envolvam. E na maioria dos casos, o geólogo passou a ser o dono do serviço – necessitando saber empreender e negociar, lidar com o lado humano das pessoas, gerir um negócio.


A probabilidade que tenhamos saído do curso sabendo o “como fazer?” é muito pequena. Então o que esperar do curso?


 Competência para compreender e lidar com conceitos: os objetos, os problemas, as soluções;


 Competência para analisar, investigar e resolver problemas de rotina e particulares;


 Competência para se apropriar de novas técnicas para analisar resultados, objetos e problemas;


O conhecimento se reproduz nas pessoas em diferentes tipos de aprofundamento: informativo (ouvindo, vendo, guardando e reproduzindo), operacional (reproduzindo operações), formativo (envolvendo mudança de atitudes), construtivista (reconstruindo o conhecimento em problemas reais, aprendendo a aprender), investigativo (fazendo, inventando, descobrindo e aprendendo). Qual tipo interessa ao perfil de geólogo, ao projeto pedagógico de formação do profissional? Ou, como balancear a preparação e adotar a estratégia adequada? Uma formação erudita é essencialmente informativa e formativa, dominante no passado; um técnico, deve ter uma formação centrada no operacional; para um pesquisador, a formação será centrada no investigativo; para um profissional, seria balanceado no informativo, operacional, formativo e construtivista, com estratégias de balanceamento para todos os temas.


As estratégias, as formas e a extensão dos conteúdos dependem do perfil esperado do profissional geólogo no projeto de curso. Habitualmente o perfil profissional é caracterizado pelo domínio de competências e habilidades adquiridas em disciplinas específicas nos cursos de graduação, em nível médio ou superior. Mas esta caracterização torna-se obsoleta no mundo da interdisciplinaridade e multidisciplinaridade; ou num contexto em que repetidamente o profissional tem de buscar novas competências e habilidades, independentemente das habilitações da regulamentação profissional, como nos cursos de pós-graduação. Por exemplo, o perfil do formando em engenharia, a ser definido em cada projeto de curso, deve atender a formulação genérica que foi assim definida: "... o engenheiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a absorver e desenvolver novas tecnologias, estimulando a sua atuação crítica e criativa na identificação e resolução de problemas, considerando seus aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais, com visão ética e humanística, em atendimento às demandas da sociedade" (CNE/CES, 2002 Resolução CNE/CES 11, de 11 de março de 2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Engenharia).


Embora cada curso ou projeto pedagógico deverá estabelecer o perfil do egresso de seu curso, examinando alguns documentos de cursos atuais de outras áreas, como medicina, engenharia, agronomia, algumas características do perfil para o geólogo são listadas a seguir:


1. Capacidade para aprender, desenvolver e utilizar procedimentos diagnósticos, prognósticos e corretivos validados cientificamente, na compreensão, avaliação e transformação do meio físico e na descoberta e aproveitamento de seus recursos naturais, especialmente relacionados à formação e transformação de minerais e substâncias afins.


2. Capacidade para dominar e implementar práticas, técnicas, procedimentos diagnósticos e corretivos necessários à caracterização e solução de problemas que envolvem aspectos geológicos;


3. Pratica da educação permanente, com preponderância da auto-aprendizagem, na solução de problemas relacionados à compreensão de objetos e processos geológicos, à sua descoberta e transformação, e ao uso e ocupação do meio físico;


4. Domínio dos conhecimentos formadores do embasamento científico e da natureza ética e social subjacente à prática da profissão de geólogo;


5. Domínio de técnicas de leitura crítica e de validação científica: lógica, falseamento, criatividade, testes;


6. Capacitação para utilizar recursos técnico-científicos contemporâneos;


7. Uso de procedimentos de rotina, na compreensão, avaliação e transformação do meio físico e na descoberta e aproveitamento dos recursos naturais, com sua fundamentação e sua validação científica;


8. Atuação dentro do sistema, obedecendo os princípios técnicos e éticos da referência e contra-referência;


9. Preparação para atuar em equipe multiprofissional, assumindo quando necessário o papel de responsável técnico;


10. Visão social do papel do profissional e engajamento em atividades de políticas públicas e de planejamento em sua área de atuação;


11. Informação dos usuários de seus serviços, em relação à promoção do bem estar, da compreensão, da prevenção, do tratamento corretivo e dos riscos e problemas geológicos, particulares e sociais;


12. Conhecimento das principais características do mercado de trabalho, onde deverá inserir-se, procurando atuar em termos dos padrões locais.


Nesta caracterização do perfil profissional, em termos de diretrizes curriculares, está aparente o compromisso maior com (1) a capacidade de aprender, (2) de se relacionar com as pessoas e (3) com a sociedade, (4) de assumir responsabilidades e (5) a condição de cidadania, além de (6) uma formação abrangente, atributos considerados importantes na atualidade num processo de seleção de profissionais.


Um aspecto importante, embora não limitador, no projeto de formação profissional é a questão da regulamentação profissional: as profissões regulamentadas há mais tempo tem uma gama mais ampla de atribuições, porém a tendência atual é a de assegurar atribuições em virtude do conteúdo do currículo do curso e mais especificamente do profissional, "impedindo os profissionais de desempenhar atividades além daquelas que lhe competem, de acordo com as características do currículo escolar (art. 25, da resolução CONFEA 218/73). Ora isto significa que não são os projetos de curso que deverão se orientar pela regulamentação profissional, mas os conselhos é que deverão examinar os currículos dos profissionais, não o título profissional ou o título da disciplina, para conceder-lhes atribuições. Temos o caso especial da Geologia, com direito a habilitações estabelecidas de forma simplista e genérica por lei em 1962 (Lei n.º 4.076, de 23 JUN 1962): trabalhos topográficos e geodésicos, levantamentos geológicos, geoquímicos e geofísicos; trabalhos de prospecção e pesquisa de jazidas; estudos e ensino das ciências da terra; assuntos legais relacionados com suas especialidades. Outras habilitações, para as quais hajam competências adquiridas no curso de graduação e pós-graduação, são disputadas com colegas de outras profissões, razão pela qual é importante o estabelecimento de competências nos currículos dos cursos.


Ciclo versus formação básica para Geologia


O chamado ciclo básico teve um objetivo político, na década de 70, imitando o que ocorria nos Estados Unidos: ampliar o número de vagas sem grandes custos e aumentar o faturamento das universidades privadas. Criaram-se turmas com centenas de alunos que ouviriam discursos sobre temas de física, de química, de matemática, de português, de geografia, de história, com nomes diferentes, a título de ciclo básico, por dois anos; muitos alunos desistiriam, as instituições privadas teriam faturamento elevado neste ciclo, compensando os custos elevados da parte especializada.


Esta concepção de ciclo básico é equivocada e perdeu o sentido. Mais uma vez observa-se aqui o paradigma da padronização e da sincronização: todos os estudantes teriam um ciclo padrão, com disciplinas das ciências matemáticas, físicas e químicas, oferecidas pelos seus respectivos departamentos. Os resultados não poderiam ser mais desastrosos: os estudantes de geologia, bem como de outras áreas, desenvolveram uma significativa rejeição ao conhecimento matemático, físico e químico, que se perdurou durante sua vida profissional (ver p. ex. dados em Pedrão et al. 1994 ou Mesquita e Mesquita, 1999). Os atuais cursos básicos (das disciplinas de primeira e segunda ordem) provocam uma inaceitável onda de desilusão e rejeição aos programas e subseqüentemente conduzem à evasão escolar (média de 40%, variando de 10 a 95%), nos dois primeiros anos dos cursos de geologia.


As ciências de primeiro e segundo nível de conhecimento (lógica, matemática... e física, química...) não têm alcançado sucesso nos cursos de terceiro e quarto nível (biologia, geologia... e engenharia, medicina...) na formação profissional. Não seria conseqüência maior de eventual inabilidade dos professores ou inadequação de conteúdos, embora estes sejam fatores ponderáveis, mas sim de quatro causas principais: em primeiro lugar a linguagem especializada e simbólica das ciências exatas e do professor – em contradição com a das ciências naturais; e, em segundo lugar, a ausência de problemas, durante o ciclo básico, na área de geociências aos quais se aplicasse o discurso do professor; em terceiro lugar, a disseminação da convicção entre os estudantes de que nenhum outro professor no curso utilizaria aqueles conteúdos; e, por último, ausência de expectativa de utilidade dos problemas e soluções na prática da vida profissional.


Ao invés de um ciclo básico, melhor seria então falar de um Eixo de Formação Básica, ou propedêutica, similar à proposta para os curso de Direito. Este eixo deve examinar o contexto em que se situa o objeto maior do ciclo de formação profissional. Para a Terra como objeto de estudo da geologia o ciclo básico deve se constituir de estudos da natureza, o macroambiente deste objeto de estudo.


Cada curso tem que pensar o temário propedêutico para a formação do perfil de profissional desejado, considerando seu sentido de introdutório, de fundamentos, de preparação. Por exemplo, para o curso de geologia, é mais importante enquanto base, aprender os fundamentos do espaço cósmico, de climas e circulação atmosférica, composição e dinâmica dos oceanos, estrutura e dinâmica de paisagens continentais, de comunidades bióticas, de materiais. Acompanham o desenvolvimento do curso, na forma de eixo, e não de um ciclo inicial. Procedimentos analíticos básicos, como em estatística, matemática, física e química fazem sentido durante a abordagem dos objetos e problemas geológicos, ou seja orientados para o objetivo de aprender a lidar com os conceitos e técnicas, não como conteúdo propedêutico..


A eliminação do ciclo básico é uma condição fundamental para uma proposta de formação profissional ajustada às necessidades atuais e futuras: a sua substituição por um eixo de formação genérica, propedêutica, e a inclusão de temas aplicados da matemática, física, química e biologia nos conteúdos dos temas de formação profissional específica, aparece como a forma mais apropriada


Formação Específica do Geólogo


A formação específica é aquela que leva o estudante a adquirir o perfil desejado de profissional: as competências para resolver problemas na sua área, para buscar o conhecimento, para lidar com o domínio conceitual, com a compreensão dos processos e das entidades que compõem seus objetos de trabalho e a aquisição de habilidades para investigar e resolver os problemas-objetivos relacionados a estes objetos. É o eixo principal do curso e que lhe dá competências e habilitação profissionais gerais. Diversas possibilidades existem nesta parte do curso e aqui certamente estará caracterizado o profissional formado em determinada universidade. A nível de ensino de terceiro grau, três níveis programáticos são possíveis (Lei de Diretrizes e bases da Educação):


 nível de bacharel, engenheiro, geólogo, com formação entre 4 e 6 anos, dirigida para a prática profissional plena, a nível de solução de problemas, desde o planejamento até a gestão da execução, demandados pela sociedade, comunidades e indivíduos;


 Nível de tecnólogo, uma formação de 2 a 4 anos dirigida para a prática profissional a nível de uso e desenvolvimento de tecnologias para aquisição e processamento de dados;


 Nível de aprofundamento, uma formação específica ou complementar de cerca de 1 ano, em domínios técnico-científicos de interesse temporário, buscando uma qualificação diferenciada para o exercício profissional; este deve ser um programa oferecido pela universidade, de acordo com sua especificidade em termos de qualificação e de características regionais. Por exemplo, exploração e produção de petróleo, em programas de engenharia ou geologia.


A grande dúvida é saber até que ponto se deve aprofundar e homogeneizar os programas e projetos pedagógicos dos cursos na área específica. As instituições têm o direito (MEC/SESU, 1997) de diferenciar seus cursos em até 50% do temário, conservando um núcleo mínimo de temas dentro das diretrizes curriculares, de forma a caracterizar o profissional. Problemas similares têm sido discutidos em várias outras organizações, como sociedades internacionais (por ex., Sociedade Ibero-Americana de Ensino em Mineração) e também na União Européia, onde o impasse tem dominado: homogeneizar, uniformizando e dificultando novas experiências, ou manter livre... multiplicando problemas? A questão principal é como favorecer o trânsito de estudantes de uma para outra instituição?


Deve ser considerado que qualquer curso legalmente constituído, seja seqüencial ou mesmo de pós-graduação, e que tenha por objetivo a aquisição de competências profissionais pode pleitear a competência legal. Portanto se reforça a idéia de que as competências podem ser adquiridas com cursos paralelos, com a prática e com educação continuada, não exigindo este esforço no curso de graduação.


Como decorrência, em nível de diretrizes para composição de um projeto pedagógico, pode se considerar os temas que devem ser objetos de estudo durante o curso, tendo em vista que o estudante deve ser levado a aprender a lidar com conceitos e procedimentos e a investigar por conta própria com maior profundidade alguns temas preferenciais.


Cada curso pode listar os focos que serão alvos de aprendizagem e de aquisição de competências, baseados em objetos (tais como minerais e rochas, bacias sedimentares etc.) ou em objetivos ou problemas ( diagnóstico, transformação e usos dos minerais; descoberta e aproveitamento de recursos minerais; diagnóstico, ocupação e transformação do maio ambiente, poluição em meio urbano etc.). Uma série de temas ou módulos seriam planejados para abordagem integrada do objeto e dos problemas e soluções a ele associados.


Formação Complementar


A nova característica do profissional de geologia é ser o prestador de serviço autônomo ou de pequenas empresas, ou ainda de cooperativas. Mesmo em empresas maiores, rapidamente o geólogo tem assumido posições gerenciais e encargos de decisão, envolvendo variáveis socio-econômicas, de valor de commodities e de valores ambientais. Esta nova postura de convivência com processos de negociação e relacionamento social é o oposto à que era submetido o geólogo das décadas de 60-70: fazer sigilo de seu trabalho, de suas investigações. Hoje a convivência com sociólogos, economistas, advogados, engenheiros, biólogos, geógrafos e clientes diversos, externos e internos, é pratica freqüente da grande maioria dos geólogos. A preparação para a cidadania e para o bom desempenho de seu papel profissional exige o domínio de competências complementares. Assim novos conteúdos são necessários para tornar mais abrangente sua formação, de modo a facilitar a compreensão do contexto de realização do trabalho geológico, e do relacionamento com a sociedade, com o setor público e privado, com outras profissões e com os colegas. Temas de filosofia, teoria do conhecimento, de economia e de administração que o preparem para vida no mundo dos negócios; comunicação social e psicologia social, que o levem a melhor compreender o contexto de seu trabalho; e ainda de organização e qualidade na prestação de serviços, círculos de qualidade e modelos de desenvolvimento eco-sustentado.


CONCLUSÕES


Temas abrangentes e com conteúdo cognitivo, domínio conceitual e prático e problemática bastante diferenciada, devem ser considerados em nivel de diretrizes curriculares; cabe aos projetos de curso aprofundarem um ou outro tema, em função das características regionais em termos de demanda, da infra-estrutura e corpo docente disponível. Nomes convencionais de disciplinas devem ser evitados, não simplesmente por serem convencionais, mas por conterem uma abordagem típica, pré-formatada, centrada em si mesma e descomprometida com o objetivo do curso.


Num projeto de curso é fundamental considerar:


 as possibilidades de aprofundamento optativo, e retorno à universidade


 aprender a aprender vale mais que aprender conteúdos,


 aprender a fazer vale mais que aprender para aprender,


 aprender a navegar no mundo da informação, é mais importante que ser o portador da informação,


 a superioridade e demanda maior de trabalho em equipe em relação ao individual,


 a necessidade de compreensão dos objetos de conhecimento para sua transformação,


 o interesse despertado por problemas práticos ao invés de problemas científicos: como? o invés do por quê?


Como conclusões finais destacam-se:


 a conveniência abordagem multidisciplinar e interdisciplinar de problemas


 a orientação para objetivos e competências


 os temas de aulas representados por problemas,


 a formação abrangente preponderante sobre a especializada,


 competências específicas associadas aos temas


 a necessidade de desenvolver competências específicas diversas


Diante destas conclusões, emergem diretrizes a respeito da mudança nos programas de formação dos geólogos:


 organizar o currículo por grandes temas;


 sobre os temas definir os problemas e estabelecer os objetivos de compreensão e de habilidades;


 cada tema com seus problemas e objetivos constituem "disciplinas";


 cada disciplina com um conjunto de professores faciclitadores


 para cada tópico de cada disciplina são estabelecidos os procedimentos e formas investigação, estudo, prática, discussão e avaliação de aprendizagem;


 uma avaliação geral por conjunto de temas (semestre);


 composição por eixos de desenvolvimento ao longo do curso: (a) de formação propedêutica, incluindo temas como cidadania, meio ambiente, método científico, temas de matemática, física e química ligados à área de formação profissional; (b) de formação específica que caracterize o perfil de formação profissional oferecido, com os temas fundamentais, com os domínios de compreensão e habilidades; práticas de habilidades específicas da profissão, incluindo estágio e tabalho de graduação; (c) formação complementar, que prepare o profissional para o papel de empreendedor e gestor de negócios.


Acima de tudo, é importante considerar o ambiente externo e o ambiente interno: os estudantes interessados no curso, as instituições que envolvem geólogos em suas atividades, a convicção e disposição dos professores e funcionários para assumirem mudanças.


Neste final, devemos lembrar com Millan Kundera (A insustentável leveza do ser) que não há “um único caminho para a salvação”; é nisto que os grandes ditadores crêem.






REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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BAILLY, P.A., 1979. Managing for ore discoveries. Jackling Lecture in Mining Engineering, 663-671


BOUD, D. & FALETTI, G. (eds), 1991. The Challenge o Problem-Based Learning. Kogan Page Ltd. London.


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SOARES, P.C. 2002. Método Científico em Geociências. UFPR. (Roteiro de curso) http://www.geologia.ufpr.br/posgraduacao






SOARES, P.C., 1991. Geology and Society: a Prospective View. Ciência e Cultura, v.43, n. 2,. S. Paulo, p 108-112,


TOFFLER, A. 1980. A terceira Onda. Ed. Record, Rio de Janeiro. 423p.














ANEXO:


EXEMPLO DE TEMAS A SEREM ABORDADOS NUM CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOLOGIA






Conteúdo propedêutico: Terra no espaço: seu macro ambiente; Continentes, oceanos, climas; Paisagens naturais (relevo, maciços rochosos, formações superficiais, água, vegetação: componentes materiais e dinâmicos do ambiente humano); Fenômenos físicos, químicos e físico-químicos nos processos geológicos; bancos de dados e processamento georreferenciado de variáveis e objetos naturais; Método científico: fundamentação, teste de hipótese, raciocínio geológico, projetos e publicações. Como práticas associadas a este temário genérico, podem ser incluídas (1) aquisição, estatísticas e representação de dados descritivos em campo, formulação e teste de hipóteses; (2) aquisição, estatísticas e representação de dados laboratoriais e (3) processamento, desenho e uso de imagens e mapas. Este temas devem ser desenvolvidos ao longo do curso, com duração entre 200 e 600 horas, e não como um ciclo inicial.


Conteúdos específicos: Cristais, Minerais e Rochas [Utilização, Descrição, Identificação, Classificação e investigação; Bacias Sedimentares; Cinturões (colisionais) orogênicos e cratons; A Terra: Dinâmica, Placas Litosféricas; Evolução geológica e mudanças geoambientais; Dinâmica de paisagens continentais; dinâmica dos oceanos e áreas costeiras. Recursos minerais, hídricos e energéticos; Resistências e fragilidades dos maciços naturais; Dinâmica e impactos ambientais. Adicionalmente, as atividades práticas buscariam as competências nos seguintes problemas: Análise (macro e microscópica, ótica, eletrônica; química, física e físico-química) de materiais geológicos e sinterizados. Representação espacial, combinação de variáveis georreferenciadas, determinação de áreas, volumes; determinação de valor econômico de materiais e ambientes geológicos. composição de perfis, cortes e diagramas espaciais e discriminantes; composição de mapas geológicos básicos e temáticos; sensoriamento remoto; levantamentos topográficos, geológicos, geofísicos, geoquímicos e geoambientais.


A maior parte do tempo do estudante (60%) deverá ser ocupado com este temário, envolvendo cerca de 2000 horas.


Para a formação complementar é estimada uma carga horária de 200 horas e para o trabalho de graduação, envolvendo uma monografia ou relatório técnico(geológico), o estudante teria uma dedicação de cerca de 600 horas, ou 20% do curso.