quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Carta Aberta sobre o “Rio Hamza”

Carta Aberta sobre o “Rio Hamza”
Uma ideia subjetiva foi apresentada durante o 12º Congresso
Internacional da Sociedade Brasileira de Geofísica, no Rio de Janeiro,
e divulgada na mídia no mês de agosto de 2011: "abaixo do Rio Amazonas, no interior
das rochas a 4.000 metros de profundidade, haveria um “rio subterrâneo” com 6.000 km
de comprimento e 400 km de largura”.
Tal trabalho seria apenas criticável no âmbito da ciência, se restrito aos círculos
acadêmicos. No entanto, para surpresa da comunidade geológica, a comunicação, que
estava restrita ao Congresso, foi enviada, provavelmente via release, a inúmeros
veículos de divulgação científica e não científica.
A divulgação de um resultado de pesquisa simplista, que usou dados concretos
para chegar a conclusões improváveis, inclusive usando definições incorretas, prejudica
a divulgação da ciência e desinforma o público. Proveniente de um grupo de pesquisa
do Observatório Nacional, a informação correu mundo sob o nome "Rio Hamza", em
alusão a um dos envolvidos na pesquisa. Entretanto, trata-se de uma conclusão
precipitada de uma tese de doutorado baseada em dados indiretos - medidas de
temperaturas de poços para petróleo perfurados a partir dos anos 1970. Além disso, a
conclusão não foi avaliada por pesquisadores independentes e contém uma série de
imprecisões de interpretação e de linguagem, ferindo conceitos arraigados nas
Geociências.
O rio Amazonas atravessa, de oeste para leste, sucessivamente cinco grandes
bacias sedimentares, denominadas Acre, Solimões, Amazonas, Marajó e Foz do
Amazonas. Em geologia, “bacia sedimentar” significa uma depressão que, ao longo do
tempo, recebe diferentes materiais sedimentares (areia, lama, etc) de uma ou mais
fontes. Essas bacias estão preenchidas por uma sucessão de camadas de rochas
sedimentares com milhares de metros de espessura. Quando porosas, as rochas contêm
água subterrânea, situação comum em bacias sedimentares. Se, além de porosas, as
rochas forem permeáveis (os poros interconectados), em geral há fluxo de água
subterrânea, normalmente com velocidades medidas em cm/ano. A situação também é
normal em bacias sedimentares e os diversos aquíferos das bacias atravessadas pelo Rio
Amazonas são conhecidos e vem sendo estudados há tempos pelos geólogos brasileiros.
Uma explicação aceita pela ciência geológica brasileira é de que o “Rio Hamza”,
“descoberto” pelos geofísicos do Observatório Nacional, não é um rio, mas um possível
fluxo muito lento no interior de um aquífero formado por rochas sedimentares porosas e
permeáveis. Mesmo como figura de linguagem, o termo “rio subterrâneo” utilizado por
aqueles pesquisadores está absolutamente incorreto para o caso em questão, visto que
esse termo é usado, e apenas com cautela, nas situações em que águas fluem através de
cavernas. A água não é doce – a essa profundidade trata-se de uma água supersaturada
em sais solúveis, ou seja, uma salmoura. Não está comprovada a continuidade do
aquífero profundo por 6.000 km, nem se faz ideia se há descarga de suas águas para
outras bacias sedimentares próximas. É uma temeridade afirmar, como se fez na Tese
em debate, que a água deste aquífero exerceria alguma influência na salinidade de águas
marinhas próximo à foz do atual rio Amazonas. A existência de “bolsões de água doce”
no Oceano Atlântico próximo deve-se à tremenda descarga do Rio Amazonas, cujas
águas invadem o mar por muitos quilômetros desde sua foz.
A forma equivocada de divulgação de resultados de pesquisa, ainda
preliminares, abala a credibilidade da pesquisa brasileira, como neste caso, em que a
“descoberta” de um falso "rio subterrâneo" foi alardeada de maneira precipitada e
sensacionalista.
Os signatários desta carta aberta vêm, de forma responsável, contestar as
conclusões tomadas como certas, mas que na verdade carecem de qualquer sentido
técnico à luz da ciência geológica que se pratica no Brasil e no mundo.
Prof. Dr. Celso Dal Ré Carneiro (UNICAMP)
Prof. Dr. Eduardo Salamuni (UFPR)
Prof. Dr. Luiz Ferreira Vaz (UNICAMP)
Prof. Dr. Heinrich Theodor Frank (UFRGS)
Apoio: Federação Brasileira de Geólogos - FEBRAGEO