A poluição do ar provocada por automóveis é um grande desafio ambiental para os habitantes das metrópoles. No Rio, o intenso fluxo de veículos é o principal responsável pela emissão de gases tóxicos na atmosfera da cidade. De acordo com o Relatório Anual de Qualidade do Ar do Estado do Rio de Janeiro, do Instituto Nacional do Meio Ambiente (Inea), de 2009, as fontes móveis – como carros, caminhões e ônibus – emitem 77% do total de poluentes lançados na atmosfera na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, enquanto as fontes fixas – entre elas, as fábricas – representam apenas 23%. Para fazer um diagnóstico da qualidade do ar em pontos-chave do tráfego carioca, uma pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) com apoio da FAPERJ, por meio do edital Estudo de Soluções para o Meio Ambiente, está monitorando dois importantes locais de passagem de veículos no Rio: o Túnel Rebouças e a Avenida Brasil. Além de avaliar as condições atmosféricas nesses pontos movimentados da cidade, o estudo tem como objetivo verificar os possíveis impactos da poluição do ar na saúde das pessoas que circulam por ali diariamente. Para isso, pesquisadores do Laboratório de Mutagênese Ambiental (Labmut), do Departamento de Biofísica e Biometria do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, da Uerj, investigam a concentração de agentes mutagênicos – aqueles capazes de modificar as sequências de DNA, causando mutações que podem levar ao desenvolvimento do câncer – presentes no ar do Túnel Rebouças e da Avenida Brasil. “Em ambientes onde as concentrações dos poluentes são elevadas, e dependendo de sua toxicidade, podem ocorrer efeitos genotóxicos com chances de comprometer a saúde dos ecossistemas”, explica o professor e biólogo Israel Felzenszwalb.
Monitoramento da qualidade do ar
O estudo, submetido à FAPERJ em dezembro de 2008 e ainda em curso, já apresenta alguns resultados parciais. Os pesquisadores estão monitorando as condições do ar na Avenida Brasil, desde abril de 2010, e no Túnel Rebouças, desde junho deste ano. A qualidade do ar nessas vias é avaliada com o Amostrador de Grande Volume, um equipamento que determina a concentração de partículas totais em suspensão na atmosfera. Esse material particulado fica aderido a um filtro inserido no coletor do equipamento, periodicamente analisado. “Tanto na Avenida Brasil quanto no Túnel Rebouças verificamos a presença predominante de nitrocompostos, entre eles de substâncias conhecidas como hidrocarbonetos policíclico-aromáticos. Esses poluentes são capazes de provocar mutações mesmo sem sofrer qualquer tipo de metabolização”, destaca. O equipamento responsável pela coleta do ar dentro do Rebouças está localizado no vão entre as duas galerias do túnel, próximo à Lagoa. Ele funciona por seis horas durante quatro dias na semana, totalizando 24 horas de coleta semanal. “Toda semana, durante uma madrugada, quando o túnel fecha para manutenção, recolhemos o filtro para análise e recolocamos um novo”, explica. Na Avenida Brasil, outro equipamento idêntico foi instalado no pátio do Ciep Leonel de Moura Brizola, na altura de Ramos, junto à passarela número 13. Ele coleta o material particulado do ar 24 horas por dia. “Como se trata de um ambiente fechado, em seis horas, o filtro do coletor já fica saturado no Rebouças, enquanto na Avenida Brasil é preciso 24 horas para saturá-lo”, explica Felzenszwalb. Por isso, o volume de material particulado coletado no filtro do equipamento instalado no túnel se torna menor quando comparado ao da Avenida Brasil. “O volume coletado no Rebouças é quatro vezes menor em comparação ao volume coletado na Brasil”, diz o professor, lembrando que os equipamentos também avaliam medidas de variação de temperatura, umidade e pressão.
Testes laboratoriais
Filtro antes (à esquerda) e depois da coleta (à direita)
Depois que o material particulado do ar é coletado pelos equipamentos instalados em ambos os locais, os pesquisadores do Labmut/Uerj realizam dois procedimentos laboratoriais para tentar identificar o potencial mutagênico dos poluentes encontrados em suspensão no ar. Um deles é o Teste de Ames, um ensaio biológico reconhecido internacionalmente, que fornece informações sobre a capacidade de agentes físicos e químicos induzirem ao desenvolvimento de mutações no material genético das células. “O filtro recolhido do Amostrador de Grande Volume é ‘lavado’ e o material obtido é submetido ao ensaio bacteriano de Ames. Quando o valor do índice de mutagenicidade é superior a dois, dizemos que o material em análise tem potencial mutagênico”, detalha o professor, que observou nos dois locais um índice de mutagenicidade considerável. “As amostras coletadas na Avenida Brasil apresentaram um índice de mutagenicidade 3 e 4. Nas amostras do Tínel Rebouças, o índice de mutagenicidade variou entre 9 e 23, e o efeito mutagênico foi visualizado logo na primeira concentração.” O outro procedimento técnico a ser adotado no estudo é o teste de micronúcleo, utilizando a planta Tradescantia pallida var. purpúrea. Conhecida popularmente como coração-roxo, essa espécie ornamental, comum no Rio, funciona como um termômetro natural da presença de substâncias mutagênicas no ar, sendo por isso considerada um ótimo bioindicador. Sensível, ela apresenta mutações quando em contato com poluentes, servindo como um sensor na avaliação da qualidade do ar. “O teste de micronúcleo com a Tradescantia é considerado um excelente bioindicador pela simplicidade da metodologia e pela sensibilidade da planta aos agentes genotóxicos”, diz Felzenszwalb. Em contato com os poluentes, as células da Tradescantia costumam apresentar alta frequência de micronúcleos, o que indica a ocorrência de mutação genética. Essa etapa de testes, no entanto, ainda será realizada. Por enquanto, os pesquisadores colocaram mudas da Tradescantia em pontos estratégicos do Túnel Rebouças e da Avenida Brasil. “As plantas colocadas no Rebouças não sobreviveram. Mesmo sendo uma planta resistente, parece que a poluição no local está bem acima de sua capacidade de sobrevivência”, pondera.
Para dar continuidade a essa etapa, a equipe do Labmut planeja outra estratégia. “Estamos avaliando a possibilidade de usar o material obtido do filtro coletor para uma avaliação direta em mudas saudáveis, em laboratório, e assim podermos continuar o estudo”, explica. “Usaremos a solução produzida pela lavagem dos filtros colocados no Rebouças para pulverizar as plantas, e faremos uma posterior avaliação de micronúcleos”, completa. Na Avenida Brasil, o experimento com as plantas foi iniciado há menos de um mês, no mesmo local da instalação do Amostrador de Grande Volume, e os pesquisadores ainda não processaram os resultados. O projeto também tem o objetivo de promover a educação ambiental. Estudantes do Ciep Leonel de Moura Brizola, na Avenida Brasil, tiveram três encontros com os pesquisadores para discutir a problemática da poluição do ar atmosférico. “Tentamos conscientizar os jovens sobre a necessidade de preservação do meio ambiente”, conta. “Esperamos que a atividade de educação ambiental venha a contribuir para a conscientização cidadã da comunidade e que ela tenha um efeito multiplicador”, conclui. Além do professor Israel Felzenszwalb, participam do projeto os pesquisadores Claudia Aiub e José Luis da Costa Mazzei, ambos do Labmut/Uerj; o professor Sérgio Machado, da Faculdade de Tecnologia da Uerj; a mestranda Claudia Rainho, do programa de Pós-Graduação em Biociências do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, da Uerj; e o aluno de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Antonio de Salles Guerra.
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