O governo concluiu o projeto de lei para garantir a realização de negócios em terras indígenas, que vão movimentar dois importantes setores da economia: mineração e energia elétrica.
Pelo projeto, as empresas poderão realizar empreendimentos nas reservas, que equivalem a 13% do território nacional, mas terão de dar uma série de contrapartidas aos índios, como royalties, compensações ambientais e contratação de mão de obra. Os índios terão participação direta nos investimentos.
No caso da mineração, as aldeias poderão até vetar os empreendimentos, caso entendam que serão afetadas negativamente em sua cultura ou no ambiente. As mineradoras terão de dar prioridade aos índios na contratação de pessoal e eles terão a garantia de receber salários nos mesmos níveis dos demais trabalhadores. Além disso, os lucros com a exploração de minério terão de ser repartidos com as aldeias afetadas pela atividade econômica.
No caso do aproveitamento dos rios para energia elétrica, os índios também terão essas garantias de royalties e de preferência na contratação de mão de obra, mas não vão poder vetar os projetos. Para a construção de hidrelétricas, por exemplo, os índios vão participar de todos os debates que antecedem às obras.
O projeto prevê que o nível dos rios deve ser mantido de forma a garantir o consumo, os costumes e as tradições indígenas. Os índios terão o direito a, no mínimo, 10% dos ganhos de cada empresa que explorar os recursos hídricos em reservas, além de reparações por eventuais danos ambientais. Porém, os índios não poderão impedir a concretização final dos empreendimentos hidrelétricos.
O texto enviado ao Congresso, com 235 artigos, prevê ainda que todos os projetos de investimentos em reservas terão de ser discutidos antes com as comunidades indígenas e as empresas somente poderão atuar através de licitação pública, a ser aberta posteriormente. Com isso, primeiro, as aldeias vão participar da definição das linhas gerais para cada empreendimento, para, depois, ser confeccionado o edital para as empresas entrarem na disputa.
Essas exigências foram consideradas fundamentais pelo Ministério da Justiça, pois elas garantem que todo o projeto de investimento em área indígena será antecedido de licitação. Isso reduz a possibilidade de uma empresa fazer pressão direta para obter o aval de uma comunidade indígena específica.
Mesmo se o fizer, essa empresa sabe que a outorga da exploração está submetida à licitação e nada garante que ela será a vencedora ao final da concorrência. Todos os empreendimentos em áreas indígenas deverão ser antecedidos de regularização fundiária e ambiental. A concepção do projeto de lei é a de que os índios são diferentes e têm a sua cultura específica, que deve ser preservada, mas que isso não significa que eles não possam se organizar nos moldes empresariais e produzir.
"O fato de se produzir nas reservas não significa o fim da cultura dos índios", disse secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay. "Pelo contrário. A cultura será preservada e eles poderão se beneficiar de atividades econômicas."
Para Abramovay, o fato de ser índio e ter a sua cultura, suas tradições e danças específicas não significa que não possa ter luz elétrica, televisão ou mesmo caminhões para transportar os produtos da aldeia à cidade mais próxima. O secretário revelou que, em audiências sobre o projeto com a presença da Funai, as comunidades indígenas defenderam a mineração e outras atividades econômicas que vão além da pesca, do extrativismo e da agricultura.
Para auxiliar as comunidades indígenas na produção, o governo vai abrir uma linha de crédito específica para empreendimentos em terras indígenas, com o aporte de dinheiro através de bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal ou o Banco do Brasil. O projeto ainda prevê a criação de um fundo de captação de recursos nacionais e internacionais para o que se chamou de "promoção de economia sustentável indígena".
A ideia é que os índios possam se organizar e, através desse fundo, conseguir maiores verbas para as atividades desenvolvidas nas reservas. Na prática, é a oficialização de organizações indígenas com fins econômicos. Pelo texto, elas passam a ser reconhecidas como pessoa jurídica de direito privado. Tornam-se capazes, portanto, para receber aportes financeiros. É como se cada aldeia ou comunidade indígena pudesse criar uma S.A (sociedade anônima) diferenciada: com uma cultura própria, costumes tradicionais pré-colombianos, e também com verbas para a realização de atividades econômicas complexas, como a mineração.
No plano legal, o objetivo do projeto é substituir o atual Estatuto do Índio, que é de 1973. Segundo Abramovay, a lógica, naquela época, era que o Estado deveria tutelar os índios para eles se integrarem ao país. "Hoje, temos que romper com essa lógica de tutela e reconhecer que, ao mesmo tempo em que são diferentes, os índios podem produzir e lucrar com essas atividades", disse o secretário.
O estatuto de 1973 foi a base legal para a demarcação das terras indígenas. Hoje, 95% delas já foram devidamente demarcadas e o governo federal partiu para um novo momento: definir o que fazer com elas. A resposta da nova lei foi a de garantir a realização de atividades econômicas nessas áreas. O projeto de lei está na Câmara dos Deputados, com aval do presidente Michel Temer (PMDB-SP) para que seja aprovado.
Valor Econômico - Juliano Basile
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Mineração em terra indígena volta à pauta
A exploração mineral em terras indígenas voltou a ocupar a agenda da indústria de mineração no país. Esse interesse está estampado na Exposição 'Isto é Mineração', inaugurada na última terça-feira no salão negro do Congresso Nacional e que vai percorrer todas as regiões do País, por conta do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
O mesmo interesse foi manifestado na Comissão Especial da Câmara sobre Mineração em Terras Indígenas, quando o diretor de Assuntos Minerários do Ibram, Marcelo Ribeiro Tunes, defendeu a aprovação do projeto de lei 1.610-96, do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que autoriza a atividade nas reservas indígenas, com a autorização do Congresso Nacional e o pagamento de royalties (compensações financeiras) às comunidades indígenas e à Fundação Nacional do Índio (Funai). Na avaliação dele, 'a regulamentação vai trazer a pacificação para muitas áreas indígena'. Ele citou como exemplo o conflito entre garimpeiros e os cintas-largas, que precisou de intervenção da Polícia Federal.
Em 2004, 100 índios cintas-largas emboscaram 150 garimpeiros e mataram 29 por causa da exploração de diamante na reserva deles em Rondônia. Somente na Amazônia, onde as reservas dos índios ocupam 25% do território, existem atualmente 4.821 processos de requerimento de pesquisa e lavra, segundo o Instituto Socioambiental (ISA). Isso desperta a atenção das mineradoras por jazidas de ferro, ouro, cobre, diamante, bauxita e cassiterita. Ao mesmo tempo estão identificados 192 garimpos ilegais em reservas com grande potencial para gerar novos conflitos e danos ambientais, segundo o Serviço Geológico do Brasil. Na mesma audiência da Comissão Especial , Geraldo Haenel, presidente do Grupo Paranapanema, uma das maiores mineradoras do País, defendeu a proposta do senador Romero Jucá, afirmando que mantém uma 'convivência razoável' com tribos do Amazonas. Segundo ele, o grupo possui uma mina de cassiterita no norte do Amazonas e precisa pagar mensalmente uma espécie de pedágio, no valor de R$ 120 mil, aos índios waimiri-atroari para escoar a produção, porque a estrada passa pelas terras deles. O valor é calculado, afirmou ele, por cada tonelada extraída do Projeto Pitinga. Na mesma audiência, o diretor de Energia e Mineração do Grupo VDL, José Altino Machado, ex-presidente da União dos Garimpeiros da Amazônia Legal, questionou como pode haver mineração em terras indígenas se os indígenas desrespeitam a legislação brasileira. Segundo ele, para que seja viável a exploração, deve-se partir do princípio de que as regras serão respeitadas pelas partes. Na década de 90, ele liderou movimentos pela exploração de ouro na reserva dos índios ianomâmis, em Roraima. O relator da Comissão Especial, deputado Eduardo Valverde (PT-RO) afirmou que vai levar em conta os interesses dos grupos étnicos na elaboração do parecer sobre o Projeto de Lei 1.610/96. 'Para alguns grupos, o tamanho do espaço indígena não tem importância, mas sim os recursos existentes na área para a sobrevivência da tribo', observou.
De acordo com a Funai, a aprovação da exploração mineral em terras indígenas deve ser contemplada na proposta de criação do Estatuto dos Povos Indígenas, que tramita no Congresso. Já há inclusive um projeto que prevê o recolhimento de 3% do valor da produção mineral em benefícios dos índios. Eles seriam consultados acerca da exploração, mas não teriam poder de veto. A inclusão do tema no Estatuto também é defendida pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Mas, para a entidade, a proposta tem de passar pela aprovação e participação de comunidades indígenas carentes nos recursos obtidos pela exploração das mineradoras. Para alguns parlamentares, a culpa de tudo isso é da Funai. O deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) pediu a revisão de portarias de órgãos que ampliam áreas indígenas. No Pará, a maior mineradora do País, a Companhia Vale do Rio Doce, está sempre às voltas com protesto indígena. Bentes defende normas mais claras para a ampliação dessas áreas, com a aprovação dos pedidos no Congresso. Pelo andar das discussões, não tão cedo índios, mineradoras e governo vão aspirar a fumaça da concórdia. A exploração em terras indígenas voltou a ocupar a agenda da indústria de mineração no País.
Exposição no Congresso mostra o interesse em aprovar propostas a favor do segmento. (Fonte: DCI)
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